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PROJETO FAZENDA ESCOLA FUNDAMAR /
MONOGRAFIAS SOBRE EDUCAÇÃO
Fazenda-Escola Fundamar: A Fazenda do Rosário revisitada?
por Maria Lúcia Prado Costa 2000
Hoje, quando a atenção dos educadores das escolas públicas de Minas Gerais se
volta para a criação, em Ibirité, do Instituto Superior de Educação do Estado na
Fundação Helena Antipoff, obrigatoriamente retorna à cena a memória de sua
instituidora, considerada a maior educadora brasileira, se bem que nascida na
Rússia.
A pluralidade da ação intelectual, política e pedagógica de dona Helena Antipoff
(1892-1974) em 45 anos de militância no Brasil, lançando idéias, provocando
projetos e assumindo a implantação e gestão de diversas instituições foi
amplamente prestigiada e registrada por seus contemporâneos. Atenta aos pobres,
aos excepcionais, aos superdotados, aos meninos da roça, dona Helena implementou
um novo olhar na sociedade mineira - e por extensão de sua persistência em todo
o país - para a criança, principalmente para os processos os cognitivos da
criança.
Muito já se escreveu sobre ela e a maior prova de sua proficuidade é a
sobrevivência de muitas das instituições por ela criadas desde 1929, quando
chegou ao Brasil.
Contudo, aqui vamos nos ater à produção pedagógica de dona Helena sobre o ensino
rural. Esta por si só já daria "pano pra manga", uma vez que nesta área foi
pioneira como problematizadora e gestora de uma pedagogia para a infância da
roça, a partir da formação de professores, orientadores e supervisores de
escolas rurais - fato inédito e jamais repetido no Brasil, como política social
de educação.
O núcleo de seu trabalho foi a Fazenda do Rosário a partir do qual se
desdobraram vários projetos, por ela explicitados no artigo "Uma Idéia e 17
Ramificações"1. Desses os mais importantes para o ensino rural foram os
cursos para professores leigos e os cursos para orientadores e supervisores,
mais tarde reunidos no ISER - Instituto Superior de Educação Rural (1955).
Na Fazenda do Rosário, em Ibirité, a Sociedade Pestalozzi implementou, em 1939,
com o apoio de particulares e do governo estadual, o projeto idealizado e
coordenado por Helena Antipoff. Mais uma vez, aos olhos da elite, a redenção
estaria no "campo". Como analisa Regina Helena de Freitas Campos, ao retratar o
perfil de Helena Antipoff:
“(...) como grande parte dos pedagogos progressistas da época, Antipoff
também pensava que o local apropriado para os "excepcionais", sobretudo para os
“excepcionais sociais, seria o meio rural”. O campo ofereceria melhores
oportunidades para o desenvolvimento das habilidades para o trabalho manual e
intelectual em tarefas culturalmente significativas. Mais que isto, o próprio
contato com a natureza ajudaria na formação do caráter das crianças e
adolescentes." (grifos nossos) 2
As análises que hoje se fazem sobre a experiência da Fazenda do Rosário batem no
contra-senso de se tentar reverter através da educação o êxodo rural, quando
este, nos anos 40 já se instalava como um movimento irreversível na sociedade
brasileira; e ainda evidenciam seu caráter excludente, ao segregar do ambiente
social os pobres para reeducá-los em um ambiente rural, artificialmente armado
para tanto.
Em que pesem as críticas, não há como refutar a seriedade, o rigor teórico e o
alcance político do projeto desenvolvido da Fazenda do Rosário, nos anos 40 a
60. Vários municípios do Brasil, principalmente de Minas Gerais, ingressaram
neste projeto de formação de supervisoras rurais, entre eles o município de
Paraguaçu, no Sul do Estado.
E é na zona rural deste mesmo município que desde 1984 vem se desenvolvendo
outro pólo notável de ensino rural: a Fazenda-Escola Fundamar. Projeto
instituído pela Fundação 18 de Março - FUNDAMAR em parceria com a Secretaria de
Educação de Minas Gerais, atende hoje a 500 crianças, filhos de trabalhadores
rurais do café e da pecuária leiteira e de pequenos sitiantes em franco processo
de proletarização ou de expulsão para a periferia da cidade. Para subsidiar sua
prática, a Escola mantém 5 ônibus escolares para transporte de alunos e
funcionários; refeitório e padaria (600 usuários/dia para 4 refeições);
ambulatório médico e odontológico.
Única creche rural pública do Estado, recebe alunos desde 1 ano e meio de idade
até 16 anos, quando concluem o ensino fundamental. Em horário integral, estas
crianças e jovens têm o ensino formal num período e noutro convivem em oficinas
de artesanato e arte-educação: Fiação e Tecelagem, Tricot e Crochet, Cerâmica e
Cestaria em Palha; Horticultura e Fabriqueta de Tempero; Marcenaria; Digitação;
e Introdução a estas Artes e Ofícios, onde ainda têm aulas de música; biblioteca
e recreação dirigida.
A pedagogia das oficinas - marca que a distingue de outras experiências de
educação integral - tem alguns pontos em comum com a pedagogia vivenciada na
Fazenda do Rosário, desde que, neste paralelo, se relevem a genialidade de dona
Helena e o profundo embasamento teórico e intelectual de seus colaboradores,
todos educadores de renome.
Segundo ainda Regina Helena, no mesmo artigo já referido, as oficinas da escola
rural do Rosário obedeciam aos seguintes princípios: "aprender fazendo,
respeito à atividade espontânea do estudante, importância ao trabalho manual
para o desenvolvimento intelectual, incentivo à criatividade e à cooperação,
registro do trabalho em diários e gestão democrática." E tais princípios
coincidentemente o leitor poderá identificar no documento Memorial de um
projeto de Arte-Educação para Crianças do Meio Rural: Escola Fundamar3,
onde se lê, na conclusão:
"Cada oficina, portanto, se reveste, nas diversas fases de sua história, das
características pessoais e profissionais do seu monitor: a organização do
ambiente; a proposição da rotina; a pesquisa do potencial de cada grupo de
alunos; a forma de interação com as crianças; a escolha do objeto a ser
confeccionado e a técnica a ser usada variam de acordo com o perfil do
artesão-educador. Sua inventividade, suas referências culturais, seu senso
estético, sua capacidade de concretizar idéias, e principalmente, a reflexão
sobre o sentido de sua arte para si e para as crianças é que são a matéria-prima
principal da pedagogia das oficinas de Fundamar. Mesmo num contexto escolar - ou
principalmente por isso - as oficinas de arte-educação, educação pelo trabalho,
educação integrada só se viabilizam pela emancipação do artesão-monitor como
sujeito e autor de sua prática."
Se a máxima de Pestalozzi: "Penso porque tenho mãos!" foi levada a
sério na Fazenda do Rosário, também parece o estar sendo na Escola Fundamar.
Outro ponto de identificação encontramos ao pesquisar os diários das
supervisoras-alunas da Fazenda do Rosário. Para nosso espanto, dona Helena já
pensava e realizava com esmero e arte a "pedagogia de projetos", nos
anos 50. A concepção dela é absolutamente a mesma de hoje. Dizia ela: “Na
pedagogia de projetos nosso objeto é a necessária coesão entre todas as matérias
escolares que permita aos professores, alunos e colaboradores desenvolver
respostas para tantas necessidades que aparecem na realidade
cotidiana4”.Infelizmente, hoje, quando esta pedagogia volta à moda no Brasil -
travestido de novidade - pouco se fala sobre as experiências pioneiras do ISER.
Mas também nas oficinas da Fundamar, os temas que surgem no cotidiano procuram
se cercar de pesquisas que estendam a produção artesanal para além da mera "educação
das mãos", associando conhecimentos vários que componham um tema de estudo.
Outra identificação com a Fazenda do Rosário encontramos na relação
escola-comunidade arquitetada por dona Helena. Estudiosa atenta da importância
do meio para a construção da inteligência e da personalidade infantil, do
potencial educativo e terapêutico do artesanato, dos valores atinentes à cultura
popular para a construção do sentimento de "pertença" do grupo, dona
Helena foi além. Apesar de não usar o conceito formalmente, entendeu como
ninguém o potencial do extensionismo rural, incentivando seus
alunos-supervisores a desenvolverem ações de saúde, saneamento e lazer junto à
comunidade de Ibirité. Estes mesmos objetivos direcionam as relações entre a
Fundamar e sua comunidade, trazendo o tempo e o espaço destas famílias e bairros
rurais como objeto permanente de estudo e pesquisa dos alunos (Projeto
Cadernos de Estudos Sociais); promovendo eventos na
escola e na comunidade, como campanha para reciclagem de lixo; cursos pontuais
sobre alimentação alternativa; saúde da mulher; primeiros socorros, etc.;
apresentação do coral, da fanfarra, e do grupo de Pastorinhas; acompanhando os
encontros de catequese e oração em determinados pólos; promovendo campanhas de
vacinação; visitando todas as famílias de alunos à época de matrícula - em
qualquer época do ano - e abrindo a Escola para parcerias com instituições afins
(Escola Agro-técnica Federal de Machado; EFOA - Escola de Farmácia e Odontologia
de Alfenas e Pastoral da Criança.
Assim, sem a falaciosa intenção de evitar o êxodo rural e sem segregar a criança
de sua comunidade de convivência, a Fazenda-Escola Fundamar vem, apesar de todas
suas limitações, re-aprendendo o sentido de sua prática ao reverenciar a rica e
extraordinária experiência do ISER.
Hoje, a criação do Instituto Superior de Educação na Fundação Helena Antipoff
mais do que trazer à cena a memória de sua instituidora por certo suscitará
alguns debates sobre o ensino público rural, tema tido como anacrônico na visão
dos gestores das políticas sociais de educação, mas que ainda dá mostras de
fôlego na Fazenda Escola Fundamar.
1. ANTIPOFF, Helena. Uma Idéia e 17 Ramificações. In Edição Especial Centenário
Helena Antipoff. Junho/1992 CTC - Consultoria Técnica Educacional e ADAV -
Associação Milton Campos para Desenvolvimento e Assistência à Vocação dos Bens
Dotados.
2. CAMPOS, Regina Helena de Freitas. Helena Antipoff - A Fascinante História de
uma Educadora Popular no Brasil. Revista Presença Pedagógica. Ed. Dimensão. Nº.
3. Maio/Junho 1995.
3 Este documento está disponível para consulta no site
www.fundamar.com.
4 IN Ensino Normal e Treinamento de Dirigentes de Escolas em Zonas Rurais.
22.11.1950. |
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