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ACL - FUNDO DE ARQUIVO CARLOS LACERDA
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/ Correspondência com Juscelino e outros políticos |
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Histórico Carlos Lacerda manteve sempre intensa correspondência com políticos e intelectuais brasileiros e também de outras nacionalidades. O arquivo é muito rico em documentos que tratam deste assunto.
Nas páginas seguintes veremos algumas cartas recebidas por Lacerda. Com destaque, o inteiro teor de uma carta de Juscelino Kubitschek, revelando a admiração recíproca que as circunstâncias da política não permitiram que prosperasse quando ambos exerciam grande liderança.
Por ser reveladora do caráter de Lacerda vai transcrita por inteiro, a carta do Governador da Guanabara ao Procurador Militar para livrar da prisão o veterano líder comunista Astrogildo Pereira.
A carta a Bilac Pinto, então Presidente da UDN, é uma página de lucidez política e com impressionante previsão do que estava para acontecer com a prorrogação do mandato de Castelo Branco. É um documento que deve ficar na memória de todos os historiadores.
E, embora não se trate de correspondência entre políticos, inserimos com o título Cartas à Nação, as notas assinadas por Carlos Lacerda, Juscelino e Jango em prol da frente ampla. Seguramente o último documento importante, tentando salvar a combalida democracia no Brasil nos anos 60, extinta em 1968 com AI-5.
1- Do Presidente JUSCELINO Kubistchek de Oliveira - 04.09.75 2 - Para o Procurador da Justiça Militar em prol da liberdade de ASTROGILDO PEREIRA de 30.09.64. 3 - Para Olavo Bilac Pinto, Presidente da União Democrática Brasileira - em 15/07/64 4 - Cartas à Nação 4.1 - Carta de Lisboa de C. Lacerda a J. Kubistcheck - divulgada em 26.10.66. 4.2 - Manifesto de Montevidéu de Carlos Lacerda e João Goulart - assinado em 25/09/67
1 - Cartas de Juscelino Rio de Janeiro, 4 de setembro de 1975.
Meu caro Carlos Lacerda, Surpreendente talvez, mas não incompreensível a nossa amizade, como você diz na dedicatória com que nos oferece, à Sarah e a mim, o seu admirável "Em Vez".
Lógica, sobretudo, porque ela se formou após termos nós ambos percorrido as mesmas estradas, nos ferido com os mesmos espinhos, para atingir depois de longa e sofrida jornada, a área imensa em que se concretizaram todas as nossas experiências.
Nessa fase, melhor dizendo, dentro dessa faixa desaparecem as lentes da ilusão e se sobressai a realidade nítida dos fatos.
Nossas discordâncias se extinguiram desde que nos conhecemos e então nos penetramos com a mesma objetividade com que Tácito, creio eu, buscava a verdade histórica: "sine ira ac studio". Desacordos no modo de agir e interpretar sempre os houve na terra, em todos os espaços e em todos os tempos. Discordaram de Platão ao definir o belo como o esplendor do verdadeiro. E de Cristo também. Renan negou-lhe a divindade. Por isso, hoje, o que a mim particularmente me surpreende é que não tenhamos sido amigos há mais tempo.
Abraços fraternos e sinceros, a)Juscelino Kubistchek
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2 - Carta do Governador Carlos Lacerda ao Juiz Auditor Tinoco Barreto, sobre o preso Astrogildo Pereira "Em 1964, depois do golpe, ele foi preso e processado em São Paulo, num inquérito policial-militar. Ficou preso no Rio, entregue à polícia da Guanabara, à disposição da autoridade militar paulista. Governador, então, horrorizou-me a idéia de ver aquele velho lutador morrer, por assim dizer, nas minhas mãos. Fiz ao Juiz-Auditor José Tinoco Barreto, da Justiça Militar, uma carta que aqui divulgo pela primeira vez. Publico-a hoje porque ela conta, ao mesmo tempo, a história de um veterano idealista do comunismo e, um pouco, a minha própria história:
"Rio, 30 de dezembro de 1964. Sr. Juiz-Auditor Tinoco Barreto. Não tenho por hábito interferir em questões que não são da minha alçada. Igualmente respeito os motivos superiores que terão ditado a sua decisão, que equivale à decretação da prisão preventiva de Astrogildo Pereira, que se encontra, por isso, recolhido ao Hospital da Polícia Militar da Guanabara, segundo comunicação oficial feita ao secretário de Segurança do Estado, à ordem de V. Exa., respondendo a processo regular de sua autoridade. Peço, por isso, desculpas ao quebrar uma norma e rogo que não leve a mal nem interprete como intromissão ou fraqueza esta intervenção, que se deve a duas causas: um sentimento de humanidade e um profundo respeito pela inteligência. Ninguém me solicitou coisa alguma e acredito também que ninguém me agradecerá. Mas obedeço a um dever de consciência. Vejo um homem de 74 anos de idade, já vítima de um enfarte, submetido a prisão preventiva que, com a devida licença, me permito considerar desnecessária; pois ele não tem, a esta altura da vida, nem periculosidade, nem meios de escapar à justiça, senão fisicamente, o que é menos.
Conheci Astrogildo Pereira, como um dos fundadores do Partido Comunista do Brasil, isto é, um daqueles idealistas que, descontentes com a justiça burguesa e entusiasmados por uma nova fé, lançaram-se a uma vida de clandestinidade e sacrifícios pelo que lhes parecia ser a justiça e o progresso sociais. Foi um dos primeiros brasileiros a visitarem a Rússia depois da revolução de 1917 e ali, pelo que sei, portou-se com a ingenuidade de um místico e o entusiasmo de um homem de bem. De tal modo descreveu as lutas no setor operário das fábricas de tecido do bairro da Gávea no Rio de Janeiro, a que chamou de Gávea Vermelha, que os homens do Komintern (Internacional Comunista), então desinformados sobre o Brasil, julgaram tratar-se de uma região já sovietizada. (E chegaram a propor o envio de alguns tratores, como contribuição aos trabalhadores agrícolas da "Gávea Vermelha".) Tal era o ingênuo Astrogildo Pereira, idealista e homem de bem.
"Em 1930, e daí por diante, ele propôs uma aliança dos comunistas com os liberais, certo de que este era o interesse dos que defendiam, como ele julgava fazê-lo, a liberdade e o progresso social. Por isto, foi expulso do Partido Comunista como traidor. Por isto, submeteram-no às mais terríveis acusações, às mais infamantes calúnias. Foi chamado de vendido, de delator, de tudo quanto o vocabulário reserva para essas circunstâncias.
"Em 1945, quando os comunistas procuraram aliciar tudo que podiam para uma nova tentativa de tomada do poder por infiltração, usando novas táticas para atingir seus objetivos, Astrogildo Pereira veio a ser menos um autor do que uma vítima. Fez uma deplorável autocrítica, em que censurava tudo o que era nobre e valoroso em sua vida.
"E se humilhava como um místico que é, para alcançar a graça de voltar ao Partido de que fora em boa hora expulso. Usaram-no, desde então, como um cartaz. Hoje, envelhecido e doente, não seria justo que os comunistas ainda uma vez pudessem usá-lo e explorassem a sua boa fé e o seu misticismo para desmoralizar a nossa revolução.
"Estou convencido de que ele não representa perigo algum para as instituições informação que ele, certamente, não me perdoará. Mais do que isto, tenho a impressão de que o único perigo que ele representa é o fato de estar preso, o de ser vítima, o de poder servir de testemunho de desapreço nosso pela inteligência, equiparando-a à solércia com que outros servem, conscientemente, e eficazmente, ao totalitarismo comunista.
"Em resumo: se o meu depoimento pode ser de alguma valia, rogo-lhe que revogue a prisão preventiva de Astrogildo Pereira e nos permita mandar para casa esse velho escritor, que é a maior vítima do envenenamento das idéias. Caso não lhe seja possível, peço-lhe que não me reduza a uma situação com a qual não me conformaria: a de ser, na Guanabara, carcereiro de um homem que aprecio, que respeito e cujo crime em nenhum caso dói mais do que o crime que cometeríamos se o deixássemos morrer na prisão.
"Ainda uma vez, queira desculpar a interferência, que espero não tome por mal nem como sinal de fraqueza ou complacência. Não tenho com ele qualquer traço de amizade pessoal. Nada lhe devo, nem a troca de idéias, pois as suas eu já conheço e as minhas ele não entende.
"Peço-lhe o obséquio de uma resposta, pela qual desde já lhe agradeço. Saudações atenciosas."
A resposta não se fez tardar: Astrogildo foi solto e morreu em casa "
(Transcrita da autobiografia de Lacerda, "Rosas e Pedras de Meus Caminho").
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3 - O Golpe da Prorrogação Bilac: Antes que cesse esta absurda correspondência entre nós, pedi ao secretário Raul Brunini que leve este bilhete como um derradeiro apelo ao bom senso, que não lhe falta, e à inteligência, que lhe sobra.
Na verdade, Bilac, fui posto à margem da UDN. Dê-se a isso o nome triste de traição ou o nome mais ameno de distração. Na prática foi o que se deu. Ainda mais depois do que se passou com o senador Daniel Krieger na sua casa.
Mas o que importa é o fato de estar a UDN sendo levada a tomar uma posição que significa um passaporte para o desconhecido. Na verdade, se se tratasse de preservar uma obra revolucionária, o que se devia fazer era encurtar e não prorrogar o mandato do presidente Castelo Branco.
Sem que isto represente qualquer prejuízo de ordem pessoal, o fato é que bem pouco há revolucionário neste governo. Agora, com a prorrogação combinada com a maioria absoluta, torna-se bem mais difícil para nós preservarmos, ao mesmo tempo, o apoio do povo e a obra da Revolução.
Existe uma última esperança ainda. a de que, uma vez vitoriosa a tese da prorrogação, os prorrogados resolvam convergir num princípio para formar um governo verdadeiramente revolucionário, isto é, de transformação nacional. Os indícios não são esses, mas ao contrário, os de que haverá mera repetição "tatibitati" das teses do Dr. João Goulart, traduzidas em língua de virtudes morais e cívicas que não passam do terreno da estrita honestidade doméstica. Confesso a minha impaciência, mais que a minha revolta. Estou farto, meu caro amigo, e um pouco cansado de ver antes, dando a impressão de ver demais. Mesmo que não cesse a saraivada de insultos que estou recebendo por ter dito o que penso, sem visar a pessoas mas a situações a que essas pessoas nos arrastam.
Brasília não somente afasta presidentes, como já agora também candidatos à Presidência. Pensei em ir aí, e não terei dúvidas em fazê-lo, se isso pudesse realmente adiantar. Cumpro um dever, Bilac, e não apenas na UDN, mas um dever patriótico, advertindo, mais uma vez, que a votação da prorrogação e da maioria absoluta entrega o destino da Revolução aos nosso adversários, atende ao que há de mais imediato na vontade dos militares, mas não atende aos objetivos finais de todos nós. O que se está preparando é, na realidade, a volta dos decaídos ao poder.
Vai-se perder o direito de apelar para o povo, o povo que fez a Revolução, o povo que compeliu as forças armadas a agirem e agora é tratado como se fosse ele o irresponsável e até o indesejável.
Estamos marchando rapidamente para um "nasserismo" obscuro e indefinido. Votando a prorrogação e a maioria absoluta, o Congresso está votando pela ditadura militar que fatalmente se estabelecerá no país, faltando apenas saber quem será o ditador, pois certamente não será o marechal Castelo Branco. Este poderia salvar-nos e salvar-se com o país, se tivesse o rasgo difícil de formar um governo de união revolucionário para a transformação democrática do país. Mas, a medida pela qual o Congresso lhe está dando o supérfluo e capitulando no essencial não facilita a compreensão da necessidade de um gesto de grandeza.
A última vez que meu amigo Cordeiro de Farias interferiu junto ao Congresso foi para apoiar a emenda parlamentarista. Lembra-se?
Não tenho, como você talvez pensasse, a pretensão de acertar. Quem sabe se estou errado. Não sei mais como me esforçar para abrir os olhos dos companheiros, para alertar vocês todos, cujo patriotismo e cujos sentimentos cívicos eu bem conheço e não ponho em dúvida, mas cujos horizontes estão fechados pelo céu baixo desta perplexidade que desceu sobre o país.
Derrotado amanhã, é possível que me recolha à minha insignificância de prefeito municipal metido a governador. Mas, Bilac, se fosse atender aos meus temores, mudaria a sede do governo para um abrigo antiaéreo mergulhado num subterrâneo qualquer para não ver nem ouvir o que vem por aí. E o que me entristece é ver tanta gente boa e séria empenhada, pelas mais diversas razões, até pela simples raiva, nesta insensatez.
Na carta do presidente ao senador Krieger, ele considera ilegítima a prorrogação e declara que ela afeta até o crédito internacional do Brasil. Tem cabimento sonegar essa carta ao conhecimento da bancada e do Partido? Como sairá disto o chefe do Executivo brasileiro, comandante de uma revolução, comprometido em dar posse ao seu sucessor na data marcada pela lei?
Eu sei que excelentes elementos militares da Revolução estão empenhados em obter a prorrogação. Mas por razões opostas àquelas que levam a maioria do Congresso a votar por ela.
Bilac, numa palavra: votada a prorrogação, não haverá eleição nem em 66 nem tão cedo. Isto é o 10 de Novembro com aprovação do Congresso.
Existe ainda uma difícil possibilidade de transformar esta derrota em vitória e esta vitória do inimigo em derrota. Mas, para se concretizar, ela exige uma compreensão e mais escassas do que feijão e arroz.
Quis endereçar-lhe estas linhas, desta vez por mãos próprias do nosso caro companheiro Raul Brunini, porque não sei mais o que fazer para ver se ainda somos capazes de uma decisão objetiva, sem emocionalismo nem preconceitos pessoais ou outros. Provavelmente você me dirá que é tarde. Acredito, embora haja sempre a esperança de que não seja tarde para um ato de lucidez.
Com as minhas recomendações a sua mulher, um abraço do Carlos.
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4.1 - Manifesto de Lisboa De 27 de Outubro de 1966
Em nome do povo brasileiro vimos apresentar o protesto e a reivindicação que ele merece e exige.
Representamos correntes de opinião que, juntas, reúnem a maioria do povo. Representamos, também, instituições que, perante a História, encarnamos pela mão do povo. Defendemos o voto e a lei, em função da ânsia de liberdade e do progresso social, cultural e econômico que caracteriza o Brasil moderno no mundo em mudança.
Dessa representação nenhuma violência nos pode privar. E o povo precisa que seus líderes falem - para que em seu lugar não sejam ouvidos apenas os que têm medo do seu voto.
Juntos, não somos a mera expressão de uma frente ocasional. Nosso encontro é mais importante do que as nossas pessoas. Temos o dever de dar voz ao povo silenciado. E definir, em seu favor, os rumos que, seja qual for o sacrifício pessoal a fazer, o povo tem o direito de exigir de todos os que tiveram ou aspiram a ter a honra de governá-lo.
Há momento em que se unir para lutar por todos é a única forma de ser coerente. Assim, diante da invasão. Assim, também, diante da usurpação. Assim, na guerra. Assim, nessa guerra que o Brasil tem de enfrentar, a guerra contra o atraso, o pessimismo, o desalento. Essas forças negativas apropriaram-se do poder. O povo precisa, unido, mobiliza-se para fazer triunfar a esperança de dias melhores.
A nossa união, pessoalmente desinteressada, representando a superação de graves divergências e naturais ressentimentos, é respeitável precisamente porque não é manobra política e, sim, mandado de consciência.
Não foi fácil o nosso encontro. Mas vale o esforço pelo resultado e pelo exemplo. Nossa pessoa é o que menos interessa. As ditaduras vivem da desunião dos que prezam mais a suas divergências do que a liberdade do povo. Por isto, mais do nunca, esquecemos o amor-próprio e a vaidade para falarmos juntos o que a grande maioria do povo sente, pensa e quer.
O exílio e o ostracismo não bastam para exonerar-nos da condição de brasileiros e da obrigação de fixar rumos, ante a decepção e a angústia que se apoderaram do povo. Pode o arbítrio privar alguns ou muitos, segundo a maré do ódio ou as tortuosas conveniências do grupo dominante, do seu direito de influir nas decisões nacionais. Mas, não nos prova nem isenta dos nossos erros e capacidades; esses deveres têm de ser exercidos com lealdade e na hora oportuna, que é esta.
Houve uma "eleição para a qual o povo não deu poderes a ninguém." Tem o povo o direito de saber o que pretendem fazer à sua custa os que se arvoram em tutores do Brasil.
Não nos encontramos para conformismo nem muito menos para a adesão, como fazem alguns que serviram conosco ou se serviram de nós, mas se ajuntam à usurpação e colaboram com a impostura sem olhar coerência e, sim, apenas conveniência.
Numa hora de evasivas, trazemos uma afirmação. Numa hora de pretextos, trazemos motivação. Numa hora de violência, trazemos uma palavra de paz. Não uma paz imposta, mas uma paz consciente e livre.
Não fazemos a apologia do passado. Nem crítica, nem autocrítica. Apenas ressaltamos que havia um esforço constante de aperfeiçoamento do tempo. Esse esforço recebeu a contribuição menor ou maior, no governo ou na oposição, dos signatários e de milhões de brasileiros. Hoje, essa conquista, renegada por alguns, é negada a todos. Depende do capricho de um e do arbítrio de alguns que tal capricho guiam, ao sabor de suas conveniências e peculiares interesses. Preocupa-nos, nos erros do presente, o comprometimento do futuro do Brasil. Renegar o esforço, já incorporado ao patrimônio do povo, de tantos anos de exemplos e lutas, é deixar no país a ferida aberta às infecções totalitárias. Essa tristeza, essa desalentada postura em que ele se encontra, não é senão a véspera do desespero, que leva a tudo. já o protesto da mocidade brutalmente sufocada é a evidência da inevitável reação do povo.
A eleição foi suprimida e, no entanto, era cada vez mais autêntica. Interrompê-la, agora, é um crime contra a eficácia do processo democrático em que erram os ditadores, os seus erros inevitáveis, mas os corrige pelo próprio uso dos instrumentos da democracia. Os ditadores raramente acertam onde o povo erra. E, quando erram os ditadores, o seu erro quem paga é o povo.
Havia, e urge reacendê-lo, um impulso de fé e confiança do povo em suas próprias forças. Governar deve ser animar. Hoje, é deprimir. Governar deve ser mobilizar entusiasmos e capacidade. Hoje, é desconfiar e improvisar. Havia um certo otimismo criador sem o qual as nações se confessam de antemão vencidas. Esse otimismo precisa ser restaurado. Para isto é preciso substituir no poder os que desprezam o povo porque, não conseguindo inspirar confiança, são pessimistas, sistemáticos.
A crise de confiança em nome da qual se derrubou um governo, suspeitado de pôr em perigo as eleições, tornou-se uma trágica realidade sob o atual governo, que acabou com as eleições. Como pode o povo confiar em quem nele não confia e, para não lhe dar vez, tomou-lhe o lugar?
Revolução autêntica teria sido aquela que desse, há de ser aquela que dê ao povo maior participação, e não menor, nas decisões que marcam o seu destino.
O povo não quer o que lhe dão, ou seja, um governo subserviente a decisões tomadas no exterior, hostil ao povo e temeroso do seu julgamento, usando abusivamente as armas da segurança nacional para coagi-lo e imobilizá-lo, implantando a insegurança, a descrença e a ansiedade em todas as classes e em todos os lares.
As desculpas para um regime antidemocrático estão esgotadas. O Brasil repele tutelas e curatelas.
Não há quem não estranhe que se pretenda converter o Brasil em arena para um prélio de oportunistas em busca de supremacia pessoal. Entre o messianismo teleguiado de uns e as evasivas táticas de outros, impõe-se o dever de falar e, com clareza, assumir compromissos e responsabilidades perante o único senhor deste país, que é o seu povo. As próprias decisões da política econômica, em cujo nome tantos crimes se cometem, exigem, para serem eficazes, essa garantia. Pois, como pode a opinião pública, nacional e internacional, confirmar o que desconhece, acreditar no que não se afirma, conhecer o que deliberadamente se pretende ocultar?
Por tudo isso é que nos decidimos a traduzir as exigências do povo brasileiro.
A ele devemos gratidão e fidelidade.
Aos trabalhadores esmagados pela reação, que os expulsou da comunidade como se fossem párias. Foi-lhes negado voz para protestar e voto para decidir. São oprimidos pelo desemprego, pela perda crescente do seu poder aquisitivo, pelo congelamento dos salários, pela instabilidade que agrava a injustiça. Aos trabalhadores declaramos a nossa disposição de realizar essa união para defender o seu direito de existir e de aspirar a melhores condições de vida.
Aos estudantes, Para Os quais a escola continua a ser escassa, nega-se até o direito de se manifestarem - nessa nação de jovens - com o entusiasmo e o altruísmo da juventude. Aos moços, declaramos o nosso propósito de, juntos, lutarmos para que eles tenham a oportunidade de influir e, participando, preparar-se para tomar conta do que é seu.
Às mulheres, lembramos que os sentimentos religiosos foram explora- dos pelos que se atiram hoje contra a Igreja, à qual os usurpadores pretendem negar o cumprimento do dever de exprimir o protesto dos injustiçados e dar voz aos que foram silenciados.
A elas e, em geral, à família brasileira, declaramos que a nossa aliança visa à garantia da paz dos povos livres, a paz dos povos confiantes, a grande paz generosa dos povos que deliberam e decidem, diferente da paz do medo, a paz das emboscadas e dos sofismas, a paz dos artifícios legais para destruir a legalidade, a falsa paz dos golpes retrógrados e das revoluções sem programa.
Às classes médias, que se ampliavam e precisam crescer, como elemento e sintoma de equilíbrio e prosperidade numa sociedade democrática, hoje esmagadas e marginalizadas, lançamos esta palavra de convocação e união.
Os empresários, os quadros dirigentes da administração pública e privada, os que dispõem de recursos para investir e tentam formar a poupança para acelerar a formação do capital nacional são menosprezados, mantidos em suspeita, tratados como se alguns ocupantes do poder tivessem o monopólio da integridade e da competência. Aos que criam a riqueza negam tudo, a começar pelo crédito. Mas tudo se concede a quem, vindo de fora, compra o que os brasileiros já não podem manter ou já não se animam a fazer; e, a título de assessorar os instrumentos dessa ocupação branca, dirigem a nação.
Quanto mais se improvisa mais se mente ao país, que só pela verdade terá salvação.
É a longa experiência, contraditória e sofrida desses brasileiros todos, de todas as classes e setores, que nós reclamamos seja ouvida e respeitada. Incluímos, naturalmente, os militares, cuja tradição democrática não permite que apóiem a usurpação dos direitos do povo. O conceito moderno de segurança nacional inclui as Forças Armadas como participantes ativas do desenvolvimento econômico, pelo aproveitamento econômico, pelo aproveitamento de seus quadros em tempo de paz. Nem isso fez o governo, no entanto chefiado por um militar que promove o divórcio entre o povo civil e militar.
O regime vigente que só se define pela negativa, dizendo-se "anti-subversivo" e "anticorrupto", é antidemocrático e antinacional. Pelo arbítrio, subverte e, pela coação, corrompe.
O espírito retrógrado, a política anacrônica, a subserviência a decisões estranhas ao interesse nacional, a mentalidade reacionária não são a defesa adequada contra o que a maioria repele. Muito menos num país cujo ímpeto é progredir sem prevenções nem subordinações espúrias.
Impor-se ao povo pela força é convencer o povo de que só pela força ele pode recuperar os direitos que lhe foram arrebatados. Não é possível que a força armada seja o único instrumento de constituição e funcionamento de um governo. Não se pode aceitar que oitenta milhões de criaturas sejam dirigidas pela coação e pela intimidação. Se o "vácuo político" é que deu ensejo à ocupação do poder pelas armas, é tempo de unir o povo - todo o povo, civil e militar -, para acabar com essa anomalia e colocar o Brasil no caminho da democracia. Revolução não quer dizer "recuo" nem "deformação", quer dizer "transformação".
A nossa voz é de protesto e advertência em favor de uma saída democrática para o Brasil - enquanto é tempo. Não queremos a volta ao passado. O que nos move não é a nostalgia nem a vendera.
Queremos para o Brasil sempre o melhor. Por isto mesmo é que as vozes que lhe deram o exemplo de sua capacidade de luta e afirmação, até os extremos da desunião, unem-se agora para dizer aos brasileiros que é tempo de acabar com a impostura dos falsos salvadores da Pátria da Democracia.
Porque o nosso pronunciamento é de união do povo, por convicção e não pela ambição pessoal ou mero oportunismo, cada palavra que escrevemos é medida e visa a exprimir a realidade sentida e vivida pelo nosso povo.
Tudo o que nos separou e pode ainda distinguir aspectos peculiares de nossas convenções, modos de ser e agir, cede ao que é mais profundo e permanente em cada brasileiro, o mesmo sentimento da pátria e o mesmo dever para com o povo que governamos e continuamos a representar.
Reclamamos para o Brasil a instalação de um regime democrático que considere as transformações do mundo atual e seja fiei às peculiaridades nacionais, de forma a permitir a real participação política de todos os setores do povo.
É necessário convocar, a curto prazo, eleições livres pelo voto secreto e direto.
Exigimos respeito às garantias jurídicas e aos direitos individuais. Sobretudo, proteção à pessoa humana, livre de toda coação senão a da lei livremente elaborada e sancionada por representantes livremente eleitos pelo povo.
Consideramos indispensável uma reforma dos partidos e das instituições, para que representem, de fato e de direito, os interesses do povo e não sejam mecanismos frios, vazios de conteúdo, impostos por tutores e não propostos por líderes democráticos. Será o único meio de contar a nação com instituições e partidos autênticos, capazes de não serem empolgados por minorias sociais, grupos financeiros ou forças internacionais.
Afirmamos que a política econômica deve ser inequivocamente ditada só pelo interesse nacional. Nem política "de choques", nem "gradualista". Estas partem de uma noção falsa, a de que o maior, senão único problema é "salvar" a moeda. Depois do malogro dessa política continuam a insistir na tônica errada como se o erro fosse apenas de aplicação e não de concepção. O que está errado é confundir com inflação os investimentos e despesas indispensáveis à aceleração do desenvolvimento - sem a qual o país passa da pobreza à miséria, com todas as suas conseqüências. Perdendo a nação, não se salva nem a moeda não adianta, pois, tentar salvar a moeda condenando a nação à estagnação e o povo ao desespero.
O desenvolvimento econômico é o objetivo central da política que propomos. Não tem cabimento adotar fórmulas rígidas concebidas para países ricos e impostas a países que ainda não enriqueceram. A política econômica para o Brasil tem de visar à expansão do mercado interno, melhores salários para aumentar a capacidade de consumo e incorporação dos setores rurais marginalizados do processo econômico.
A ajuda estrangeira não pode continuar a ser a panacéia com que nos acenam como pretexto para reduzir a capacidade de consumo e a expansão econômica brasileira dentro de suas próprias fronteiras.
Internamente, não se trata de apelar para os ricos nem se queixar por- que não dão esmola bastante aos pobres, e sim dar apoio afetivo à criação da riqueza nacional. Isso se consegue pela defesa intransigente dos preços dos produtos que exportamos, pela prioridade nos investimentos e, sobretudo, pela necessidade de fazê-los a curto, médio e longo prazo, segundo prioridade e metas devidamente programadas.
Não advogamos a causa da inflação. Essa é crônica e não tem nem precisa ter dia marcado para acabar. Se não foi extinta com a política do desenvolvimento também não o foi nem será com a política da estagnação.
Nenhum país ainda pobre resolveu seus problemas com a política imposta pelo FMI. Ao contrário. Seus resultados, no Brasil, em dois anos e sete meses, são: desestímulo, desorientação, desemprego, decadência, desordem e desespero.
Aos ricos promete-se, agora, que ficarão mais ricos. Mas ao mesmo tempo são ameaçados de novas taxações. Pois o regime que prometeu estímulo à iniciativa privada declarou guerra ao lucro.
Enquanto isso, os pobres já não têm o que comer e os remediados se empobrecem. Só o Estado, pela arrecadação dos impostos, enriquece. E ainda assim apenas na aparência. O "equilíbrio" orçamentário não inclui o indispensável aumento dos vencimentos civis e militares, o que basta para mostrar a falsidade. O "saldo" de divisas é apenas o resultado da "falta" de importações por estagnação econômica.
A obsessão de "primeiro arrumar a casa" financeiramente leva a destruí-la economicamente. Não é por meras evasivas que se pode contornar a necessidade de uma definição que exige audácia, confiança e o indispensável apoio popular.
A política econômica a seguir deve basear-se nos recursos nacionais. A contribuição estrangeira deve ser condicionada à sua utilidade real e não às margens da "ajuda" de fora.
O atual governo descapitaliza as forças da produção, contém salários enquanto os preços disparam, nega o crédito e aumenta o custo do dinheiro. É mais certo sacar sobre o futuro numa nação que tem futuro, do que entregá-lo ao domínio de interesses estranhos aos que trabalham e vivem no Brasil.
O tamanho, as dimensões, a diversidade do país impõem a descentralização das aplicações da política econômica. Urge promover autonomia de iniciativa, mantendo-se a ação federal num número estrito, mas indispensável, de atividades decisivas na promoção do desenvolvimento. Para eliminar os focos da inflação crônica é preciso retomar, com as lições da experiência, um esforço intenso de modernização do país e conquista de eficiência econômica.
A elaboração de um programa assim concebido, que está na consciência de todos, deve concluir pela formação e aplicação de um Projeto Brasileiro. Este deve ter um sentido de confiança, abandonando corajosamente os erros e com igual coragem aproveitando o que há de válido nas experiências anteriores.
A tarefa a realizar no programa econômico, do qual o financeiro é mero complemento, só será exeqüível se com ela se comprometerem governos, empresários, trabalhadores, militares, o povo inteiro, em verdadeiro movimento político de mobilização nacional. Todo esforço nacional externa e internamente deve concentrar-se nesse programa.
Urge repor o processo do desenvolvimento brasileiro em termos de confiança no esforço nacional, na expansão do mercado interno, na mobilização do povo brasileiro para aumentar a produção e melhorar a produtividade. Os investimentos reprodutivos, quer financeiros quer sociais, não devem ser retardados. Ao contrário, acelerados, só assim se poderá reabsorver o excesso de moeda emitida com acréscimo de riqueza produzida.
É preciso, portanto, que a política econômica seja lastreada pelo apoio popular. Este não pode ser mobilizado pelos que desconfiam do povo e o temem a ponto de marginalizá-lo do processo político.
Afirmamos a necessidade de adotar uma política externa que exclua o Brasil, expressamente, de participação em qualquer bloco político-militar.
Acreditamos que o Brasil, nação emergente, mas que já começa a pesar na balança do poder mundial, não pode ser mero apêndice de quaisquer blocos político-militares.
O único compromisso do Brasil deve ser com a preservação da raça humana, sem discriminação racial sob pretexto nenhum e sem paternalismos de nações sobre nações, e com o desenvolvimento econômico, social e cultural de cada um e de todos os povos.
Afirmamos a necessidade de rever e atualizar o conceito de segurança nacional, de modo a que as Forças Armadas participem desse esforço. Insistimos na necessidade de formular uma doutrina militar própria do Brasil, atualizada em relação às suas tarefas em tempo de paz, visando ao bem-estar do povo e pleno exercício da soberania nacional.
Reivindicamos a discussão, a proposição de uma política de reformas nas estruturas sociais e econômicas que retardam a aceleração do progresso nacional e a ascensão das forças do trabalho. Esta deve ser a tônica de uma política de paz e reforma democrática para acelerar o desenvolvimento. O Brasil precisa recuperar-se do atraso que lhe vem sendo imposto por pretextos e manobras que não conseguem esconder seu fundo obscurantista.
Tais reformas devem atender a quatro imperativos. O da justiça, no plano social. O da produtividade, no plano econômico. O da consolidação da soberania, no plano nacional. O da unidade básica do povo, para assegurar o fortalecimento da regra democrática: o livre debate, a predominância da maioria, o respeito às minorias e ao seu direito de se transformar em maioria, a convivência dos contrários.
Essas reformas devem ser examinas com objetividade e franqueza, sem preconceitos nem sectarismos.
Queremos soluções práticas, ajustadas às tradições e às aspirações nacionais. Damos especial ênfase à reforma administrativa, na qual se impõe uma política de preparação de quadros capaz de garantir a execução harmônica e coerente das grandes etapas do crescimento nacional.
Reivindicamos o debate, proposição e aplicação de uma política de educação e ensino que atenda, também, a esses critérios; consagre a síntese entre a tradição cristã e a humanista e dê prioridade à revolução tecnológica, a fim de que o Brasil possa acelerar o passo. O atraso tecnológico de uma nação como o Brasil aumenta os riscos do desaparecimento da soberania nacional e põe em perigo, por isto mesmo, a Paz mundial: pois uma nação não se submete sem luta; e a luta, nesse caso inevitável, seria o começo de uma conflagração continental. Não pode o Brasil conformar-se com o papel de satélite tecnológico. É parte essencial da luta pelo desenvolvimento o esforço pela atualização da ciência no Brasil.
Queremos que a nação reúna a experiência dos conservadores, a prudência dos moderadores, a esperança dos inconformados, a audácia dos reformadores. Tudo isso unido pela aspiração comum de "democratização" e "afirmação nacional" do Brasil. Só assim se poderá recuperar o tempo perdido e dar agora, em poucos anos de esforço, paciência e fé, o grande salto sobre o atraso que atormenta os brasileiros.
Depois de tantas lutas malogradas, de tantos sacrifícios e tantos êxitos desperdiçados, só um gesto de grandeza, capaz de superar nossas fraquezas e deficiências, será capaz de guiar o povo para encontrar o seu caminho fora do labirinto de silêncio, intrigas e pretextos em que a nação se perdeu.
Se para a recomendação e adoção de tais diretrizes o simples amor ao Brasil é capaz de inspirar este entendimento entre adversários, de prodígios bem maiores será capaz o povo mobilizado e organizado, uma vez recuperada a esperança que perdeu.
Com esse entendimento procuramos dar exemplos de grandeza. Possa o sentimento de dever com a pátria inspirar todos os brasileiros para que juntos consigamos o que separados não poderíamos fazer.
Pela união popular para libertar, democratizar, modernizar e desenvolver o Brasil!
Enquanto a Frente Ampla dava seus primeiros passos, o Brasil preparava-se para sua primeira eleição legislativa depois do golpe de 64, e a primeira a ser disputada apenas por dois partidos, a Arena e o MDB. Lacerda não se filiou a nenhum deles e fez dezenas de artigos considerando os dois como "vinhos da mesma pipa".
Seus correligionários no Rio dividiram-se entre as duas legendas, embora o MDB, que já começava a ficar sob o domínio de Chagas Freitas, tenha feito o impossível para negar legendas aos chamados "lacerdistas".
Mesmo assim, em 13 de novembro de 1966, esse grupo conseguiu uma votação surpreendente, uma vez que praticamente todos os lacerdistas foram eleitos. A maior vitória, no entanto, ficou com um ex-udenista, mas não lacerdista, Mário Martins, que graças ao apoio de última hora de Carlos Lacerda conseguiu a única vaga de senador pela Guanabara.
Dias antes das eleições, publica nos jornais cariocas um artigo apoiando de público Mário Martins. Começa o artigo criticando duramente o candidato da Arena, Venâncio Igrejas, ex-presidente da UDN carioca, a quem chamava de "moço velho que nos traiu". Fez uma irônica confissão de culpa por tê-lo nomeado, a pedido da UDN, para o Tribunal de Contas: "merecia porque não se deve fazer esse tipo de favores" e concluiu, dentro de seu estilo, dizendo que "minitartufo, por sua mediocridade e hipocrisia, não o recomenda para o Senado".
Também ataca os outros dois candidatos por sublegenda do MDB: "Danton Jobim, velho jornalista mercenário, finge de oposição e faz o jogo de Castelo e Golbery" e diz que o terceiro, Benjamim Farah, "é um velho explorador do funcionário e dos militares, aos quais corteja com projetos e declarações demagógicas".
Só então fala de Mário Martins, que "não é homem de se vender, nem por lisonja, nem se entregar por medo ou comodismo".
E conclui:
Pensei em votar em branco para senador. Reduzidos a dois falsos partidos e a candidatos impostos e não escolhidos, nem por isso devemos votar em branco. Há sempre alguém que é melhor.
Tendo de votar em alguém, votarei no senhor Mário Martins para senador da Guanabara. Porque, dos candidatos, é o melhor. Pois ele, pelo menos, é alguém.
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4.2 - Encontro de Motivideu com João Goulart Nota Oficial do Encontro
Convencidos da necessidade inadiável de promover o processo de redemocratização do Brasil, reunimo-nos em Montevidéu.
Sabemos o que significam as privações e as frustrações do povo, especialmente dos trabalhadores, os que mais sofrem as conseqüências da supressão das liberdades democráticas.
Sabemos o que quer dizer o silêncio de reprovação dos trabalhadores, submetidos à permanente ameaça da violência e privados do direito de reivindicar seus direitos.
É preciso que se transforme, corajosa e democraticamente, a estrutura de instituições arcaicas que não mais atendem aos anseios de desenvolvimento do país. É preciso assegurar aos brasileiros o aproveitamento das riquezas nacionais em favor do seu provo e não de grupos externos e internos, que sagram e exploram o seu trabalho.
Ninguém tem o direito de suprimir, pela mistificação, pela usurpação total do Poder Civil, ou pelo ódio, as esperanças do país de solucionar, pacificamente, os grandes problemas do nosso tempo.
Pensamos que é um dever usar todos os recursos ao nosso alcance, na busca de soluções pacíficas para a crise brasileira, sem cultivar ressentimentos pessoais, nem propósitos revanchistas.
Não nos entendemos para promover a desordem mas sim para assegurar o estabelecimento da verdadeira ordem democrática, que não é a do silêncio e da submissão.
O salário mais justo, mais do que nunca é uma exigência do trabalhador, esmagado pela pobreza, e de todo o país, para a expansão do mercado interno.
A retomada do processo democrático, pela eleição direta, é essencial para conquistar, ao mesmo tempo, o direito de decisão, que pertence ao povo; e a pacificação nacional, instrumento de mobilização do Brasil para esforço do desenvolvimento com justiça social e autonomia nacional.
Queremos a paz com liberdade, a lei com legitimidade, a democracia não como palavra, mas como um processo de ascensão do povo ao poder. A Frente ampla é o instrumento capaz de atender com esse sentido, responsavelmente, ao anseio popular pela restauração das liberdades públicas e individuais, pela participação de todos os brasileiros na formação dos órgãos de poder e na definição dos princípios constitucionais que regerão a vida nacional, pela retomada dos esforços para formular ou por em execução as reformas fundamentais, e a reconquista da direção dos órgãos que decidem do destino do Brasil. A formação desse movimento - uma verdadeira Frente Ampla do Povo; integrada por patriotas de todas as camadas sociais, organizações e correntes políticas é a grande tarefa que nos cabe realizar, com lealdade e coragem cívica, mobilizando nossas energias e concentrando-as, sem desfalecimento, para reconduzir o Brasil ao caminho democrático. Movidos exclusivamente pela preocupação com o futuro do nosso país, não fizemos pactos, não cogitamos de novos partidos, norma de futuras candidaturas à Presidência da República. Conversamos sim, longamente, com objetividade e respeito, sobre a atual conjuntura política, econômica e social do país. Não temos ambições pessoais, nem o nosso espírito abriga ódios. Anima-nos tão somente o ideal que jamais desfalecerá, de lutar pela libertação e grandeza do Brasil, com uma vida melhor para todos os seus filhos. Assim, só assim, evitaremos a terrível necessidade de escolher entre a submissão e a rebelião, entre a paz da escravidão e a guerra civil.
Montevidéu, 25 de setembro de 1967.
João Goulart. Carlos Lacerda.
(Jornal de Brasília, Suplemento Civilização de 08.09.99)
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