ACL - FUNDO DE ARQUIVO CARLOS LACERDA
 / Correspondência com Carlos Drummond de Andrade
A correspondência de Carlos Lacerda com escritores foi intensa desde a sua mocidade. Nesta fase, Rubem Braga, Scliar, Alfredo Mesquita, Mário de Andrade, Di Cavalcanti, Eneida e tantos outros pontificam. Marcam a época heróica da mocidade e da luta clandestina contra o Estado Novo implantado por Getúlio Vargas em 1937. Com a liberdade política de 45, cresce correspondência com os liberais da UDN, nem sempre em termos cordatos. Com a implantação da ditadura militar em 1968 e sua atividade particular, com destaque como fundador e principal diretor da Editora Nova Fronteira, Lacerda intensifica a sua correspondência com escritores nacionais e estrangeiros. Destacamos nesta página, algumas cartas, começando pela de Carlos Drummond de Andrade dirigida à Cristina, filha de Carlos Lacerda.

1 Lacerda visto por Drummond

"(...) Carlos, se fosse somente escritor e tivesse perseverado numa exclusiva atividade literária, não daria a medida do homem excepcional que ele foi. Sua vida teria sido menos dramática, ele não teria decepções, não seria acuado e amordaçado, mas perderíamos a experiência do homem público que coexistia em sua natureza e se harmonizava perfeitamente com o escritor. São tão raros entre nós (raríssimos) os casos de escritor-político que nos acostumamos a dissociar as duas atividades e achamos um tanto estranha a espécie. Contudo, ela me parece a que melhor poderá exercer a política, elevando-a a um plano de idéias e enriquecendo-a de sensibilidade, dois atributos que o político de craveira comum, desgraçadamente típico do nosso atraso social, não possui.

Está claro que a irrupção de um intelectual como seu pai na cena política (e um intelectual com a personalidade fortíssima que o caracterizava) causaria o maior mal-estar, o assombro, o medo e a irritação que ele provocava. Medo que não resultaria só de suas qualidades de bravura e impulsividade, mas principalmente, a meu ver, de que ele não era um militante político qualquer - era um intelectual, um homem profundamente diferente da fauna corriqueira, animal estranho e perturbador porque usava acima de tudo a inteligência e não a manha. Inteligência que às vezes se voltava contra ele mesmo, pois não era bitolada pela conveniência e abria uma área de crítica de análise mordaz e rutilante, quando a melhor tática era a do silêncio e da omissão. Esses jogos de espírito nunca lhe seriam perdoados, porque inferiorizavam o adversário, incapaz de competir com ele neste terreno. (...)

Eu por mim não gostaria que o período brasileiro em que me coube viver houvesse transcorrido sem a presença de Carlos Lacerda no quadro político nacional, a que ele trouxe uma vibração inesquecível, como agente vigoroso de grandes transformações. Era um homem que espremia tumores quando necessário. Nem sempre pude me sentir a seu lado, e atribuo isso mais a uma questão de diferença de temperamentos, mas não podia deixar de admirar o ímpeto que ele punha nas suas campanhas - ímpeto que agora é explicado de maneira tão cabal neste "Depoimento" confessional, tão rico de humanidade e interioridade (...).

(...) Saí da leitura do livro com a impressão de que fenômeno Lacerda não se esgotava nem na vida intelectual nem na ação política. Ele era rico demais, numeroso demais para ser apenas escritor ou apenas político. Foi as duas coisas e nisso está o selo da grandeza de sua personalidade. O julgamento do homem político será feito pela história, quando já apagadas as paixões, mas a admiração pela figura que concentrou tantos dotes eu a tenho e manifesto. (...)”

(De O Jornal Estado de São Paulo de Terça-feira - 24 do Outubro de 1978, extraída de carta de Cristina Lacerda dirigida ao Jornal)
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