ACL - FUNDO DE ARQUIVO CARLOS LACERDA
 / Lacerda visto por Antônio Vilaça
Júlio Tavares (pseudônimo de Carlos Lacerda)

O pensamento de Júlio Tavares é eminentemente dialético. Seu dom mais imediato e constante é ir direto ao ponto e seu oposto, sem mais demora nem circunlóquio, para captar o essencial na síntese. Vai ao que importa, com um agudo senso pragmático, sem cerimônia ou sem hesitação visível, e depois, parece, gira em torno do ponto essencial em diferentes níveis de velocidade e a distâncias variadas como um avião astucioso. Dá, por vezes, a sensação de que anda mais rápido que a vida. Ou a nossa capacidade singela e cotidiana de percebê-la.

Intuída a essência, persegue-a exigente consigo, insaciável, sôfrego, de uma sofreguidão alucinante. Parece fácil, mas o espírito crítico (nele sempre alerta) não se contenta com a facilidade. Quer ir ao fundo de tudo, e ao mesmo tempo. Um escafandrista da vida total, mas com aquele ar despretensioso e ligeiro, rápido, de quem está apenas fazendo seu giro diário pelo quarteirão, à vontade. Talvez um tour de propriétaire, manhã cedo, pela Granja do Alecrim, no Rocio, entre rosas e faisões, logo depois de nascer o sol. Ou, quem sabe, Angra dos Reis, ao entardecer, quando o mar nos desafia quase em silêncio.

Sem dúvida, caminha mais depressa do que a velocidade normal da vida. O que me faz pensar naquela palavra bíblica de Lucas, em tudo digna de um Isaías, de que não conheceu o tempo da sua visitação (Lucas, 19,44). Mas a inteira verdade é que, escrevendo seus artigos, é ele fiel diariamente e com que displicência aparente e sincera às duas linhas que o compõem: certo ar boêmio ou o gosto do sonho, a fímbria do leve devaneio, o amador, o passeador, o giróvago, e a objetividade severa, até muito severa, que foi a suprema preocupação de um Gilberto Amado. A exigência. O rigor. A exatidão. O dom de informar-se.

Poesia e precisa realidade dão as mãos, neste homem difícil, contraditório, inquieto, ágil, mergulhado na ação. E nesta longa obra jornalística, escrita entre 1938 e 1972, para mais de três mil artigos, no Observador Econômico e Financeiro, onde começou, no Correio da Manhã, na Tribuna da Imprensa, em O Jornal, em O Estado de S. Paulo, no Diário Carioca, no Diário de Notícias, em A Capital, de Lisboa.

Será um homem de ação? Sim, é um homem de ação, um líder por certo, mas também, e rigorosamente, um intelectual, um homem dos livros, da poesia, da gratuidade, da leitura desinteressada, neste ser que é o menos desinteressado dos seres.

Fidelidade sobretudo a si mesmo, à sua lei interna, e uma espécie de ânsia de confrontar logo a sua verdade com a verdade da vida, a verdade dos outros, descobrir, descrever, como um navegante recém-chegado, um astronauta, um pesquisador incansável do real.

Pois para ele (parece-me) o que importa é a vida. Sua concepção de jornalista foi sempre a de um intérprete da vida, mas com não sei que de profético. Nas suas páginas, em que os encontros díspares de uma vida se reúnem e se harmonizam, há um pouco de profetismo e um traço peregrinal. Porque a condição de peregrino é o que há de mais próprio na personalidade inquieta, fluídica, de Júlio Tavares. Captar a vida, para prosseguir a aventura da vida. Não um espectador, em sentido orteguiano. Nunca. Mas um participante, alguém que encontra na alegria da vida intensa a sua mesma razão de viver. Júlio Tavares não se contempla. Não se assiste viver. Vive simplesmente. E com que intensidade frenética. Não é seu sobrevivente. Mas seu contemporâneo. Sofre.

Que é sua obra jornalística, desigual e fragmentária, senão o seu convívio humano? É ele próprio a descrever para a sua sensibilidade e para a sua inteligência sempre aberta esses encontros com homens e situações que de algum modo o marcaram, o feriram, o revoltaram, o deliciaram, o inquietaram, ou lhe mereceram a atenção de repórter.

Antes de tudo, um descritivo. Descreve mais do que analisa ou interpreta. Mas sempre interessado na vida total. Capaz surpreendentemente de descer ao mais íntimo. José Lins do Rego, Pio XII, Lúcia Miguel Pereira, Otávio Tarquínio de Souza, Kennedy ou Salazar, um bispo sertanejo, Tom Jobim, Chico Buarque, a poesia de Cassiano Ricardo, Otávio Mangabeira, Guilherme de Almeida, Romain Rolland, que significou tanto para a sua mocidade, Virgílio de Mello Franco, a dignidade exemplar de Leônidas de Rezende, a sutileza de Costa Rego, o episódio do cão pastor em Portugal, a doçura de certa aldeia, seres e paisagens que o coração viu.

Sim, um grande repórter, um grande tribuno, um grande ator. Mas um tímido também. Um coração sentimental, numa natureza capaz de frieza, cálculo, jogo. Trata-se de natureza rara: um passional frio.

Escreveu até hoje vinte livros, coletâneas de artigos de jornal, quase todos. Seu grande sonho é escrever uma peça de teatro sobre Antonio José, o Judeu. Porque, suas raízes, é um homem de teatro, fundamentalmente. Desde os tempos de Álvaro Moreira e Eugênia, na Rua Xavier da Silveira. Seu livro O Rio é uma peça de teatro. Escreveu dois livros de contos, Uma Luz Pequenina e Xanam. Publicou coleções de artigos, O Cão Negro, Uma Rosa é uma Rosa, O Poder das Idéias, Paixão e Crime, Crítica e Autocrítica, Entre a Verdade e a Mentira, Visão do Nordeste, O Rio São Francisco (reportagem). Em Palavras e Ação, reuniu discursos políticos e entrevistas. Mas há os ensaios antigos, O Latifúndio, O Quilombo de Manuel Congo, Carta a Humberto de Campos, A Missão da Imprensa, O Brasil e o Mundo Árabe, Como foi Perdida a Paz. Sua Defesa da Liberdade (na Câmara) deu um grosso volume, com páginas candentes.

Traduziu Júlio César, de Shakespeare. O que provocou a crítica minuciosa de Fernando Marques dos Reis, que ele próprio fez questão de publicar na Tribuna da Imprensa. Como traduziu as Memórias de uma Esquizofrênica. Ou Deus Existe, de Frossard.

Mocinho, traduziu um dia as Memórias de Churchill, Minha Mocidade. Gosta de traduzir. Pois sabe perfeitamente inglês e francês, um pouco alemão, italiano e espanhol. Latim e grego não sabe. Fui com ele a Parati e pude vê-lo conversar horas seguidas com um norte-americano riquíssimo, inteligente, culto e capenga, no mais flexível e puro inglês. Como se falasse português. Deu ao americano uma lição de Brasil.

Vi-o conversar com um deputado francês. A mesma aisance, o mesmo desembaraço. Fomos juntos à serra da Bocaina, em São Paulo, com Severo Gomes e o Padre Godinho, pois, durante a viagem, pude notar o empenho com que discretamente dava esmolas aos pobres, quando parávamos aqui e ali. A nenhum deixou sem esmola. Em São José do Barreiro, cercado por um grupo de moças, brilhou como se estivesse enamorado, com um brilho estupendo, uma leveza, um à-vontade, um charme pessoal digno de um renascentista. Dir-se-ia que se deixara seduzir pelas moças de São José do Barreiro.

Conversava sempre esse ar de rapaz, um tanto brejeiro, boêmio, leve, livre, sensual. Será seu modelo de vida um cardeal da Renascença? Seu ensaio sobre Maquiavel o confirma. Júlio Tavares compreende e até reabilita Maquiavel, que é bem o homem da Renascença, que substitui a pietas pela virtù, a força.

Escreveu à máquina com dois dedos. Mas depressa. Com uma certa impaciência ou ímpeto, como se estivesse com raiva. Quando escreve, se fecha em si mesmo, alheio, ilhado, silencioso, recolhido, indiferente ao que o cerca. Gosta de trabalhar longas horas seguidas. E, terminada a tarefa, a que se entrega com totalidade, com garra, com paixão, descansar por muito tempo, dias, semanas.

Gosta também de ditar os artigos. Escrevendo ou falando, é um ser impaciente, nervoso. Não gosta de esperar. Mas sabe esperar, quando quer, com uma paciência de santo. Agüentei a UDN durante vinte anos, costuma dizer com ironia. Não sabe nadar. Nem gosta de água fria. Não suporta banho de chuveiro. Banho só quente e de imersão. Sua piscina de Petrópolis dá pé. Gosta de sauna. Mas depois que se tornou homem público ilustre, deixou de ir às saunas públicas, por timidez ou vergonha.

Gosta de vinhos franceses, naturalmente. E é mesmo um conhecedor connaisseur. Tem gosto apuradíssimo. Aprecia a boa mesa, não quantidade, mas qualidade. Um gourmet. Não um gourmand. Gosta muito de queijos. Dorme pouco, pouquíssimo, três ou quatro horas por noite. Não tem sono. Se de repente o sono aparece, dorme cinco minutos ou dez ou quinze, e logo se sente equilibrado. Dorme com uma rapidez incrível. Em Angra dos Reis, uma noite conversávamos, em grupo seleto. De súbitos, dormiu. Seria sestro? Brincadeira? Momice? Truque? Não, era sono.

É que sensível ao extremo, a ruídos, presenças, movimentos, vozes, sons. Tem sensibilidade demais. Hesita. Mas disfarça a hesitação. Não gosta de ferir. Curioso, esse grande e terrível polemista, esse audaz panfletário, esse jornalista político que construiu sua carreira sobre a denúncia, o ataque ferino, a crítica desabusada e cruel, esse homem que tem um tremendo espírito satírico, um sarcasmo, não gosta de magoar, despedir empregado, contrariar interesses, decepcionar; sobre com isto.

Mas que asceta, quando o seu projeto vital o exige. Que poder de esquecer tudo, de marchar na direção da conveniência do instante fugidio. Sabe discernir num relance. Tem faro. ?Sabe onde está o seu interesse. E, no entanto, atacou o marechal Castelo...

Parece que lhe falta um pouco de domínio de si, calma, poder de contemporizar. Afoba-se, quando deveria guardar serenidade irônica. Seu desejo de resolver logo as coisas o prejudica em certas horas cruciais. Mas que agilidade. Que espírito flexível. Que percepção instantânea de tudo. Que intuição poderosa e fina.

Salazar disse dele; se souber calar-se, terá o poder. Sua letra é parecidíssima com a de Malraux, por quem possui a mais cândida admiração fraternal. Outra admiração sua é Churchill. Outra é De Gaulle. Outra é Lincoln. Outra é Le Corbusier. Uma das melhores impressões, que me ficaram, do convívio pessoal com ele, aqui ou em Petrópolis, foi a da leitura que me fez a 31 de dezembro, no silêncio bom da sua biblioteca, do discurso de Malraux no Louvre diante do cadáver de Le Corbusier. Oração fúnebre admirável. Júlio leu-a com perfeição, emocionadíssimo, e terminou chorando. As águas do Ganges, a terra da Acrópole, a alusão a Brasília, tudo foi pondo lágrimas na voz poderosíssima e ardente desse grande tribuno hoje privado das multidões. Nasceu para as multidões. Nasceu para falar ao povo, em longos e dramáticos discursos. Improvisa com uma facilidade assombrosa.

Emprestou-me Les Chênes qu'on abat, de Malraux, sobre De Gaulle. Peço que você me devolva. Devolvi. Deu-me os contos de Villiers de L'Isle Adam. Deu-me as Histoires Insolites. Interessa-se por tudo. Com espírito de repórter, o grande repórter que ele é, desde mocinho. Tem curiosidade luciferina. Quer tudo saber. Como funciona a máquina tal. Como se fabrica isto e aquilo. Pergunta. Objeta. Discute com objetividade, submisso ao real. Gosta de chegar em casa carregando, por exemplo, uma mesa. Tira o paletó sem cerimônia. Arregaça as mangas, tão rapaz. Fumou cachimbo, hoje não fuma a não ser cigarros. Foi pintor bissexto. Hoje, não pinta mais. Cuidou de rosas e, seu sítio de Petrópolis. Escreve sempre, com prodigiosa rapidez, facilidade.

Em artigo de jornal, digo tudo. Em livro, não. Tenho cerimônia...

Há muitas personalidades dentro dele. Um homem prático, um poeta, um sonhador, um intelectual (mas rabelaisiano), um sentimental, um tímido. Raramente, fala de sua vida anterior, sua intimidade. Defende-se. Preserva seu mundo íntimo. Vi nele encabulações reais de mocinho. E, todavia, quem mais sem cerimônia diante da vida numerosa...

Não é regular, já se vê. É um instável, um temperamental, um homem de momentos. Suas preferências viriam. Seus amores mudam. Tem fama de irregular, de versátil, e, com efeito, o é. Versatilidade e intensidade, eis as palavras que podem afinal exprimir. Pois é mesmo um realista e um romântico. Gosta de caminhar a pé, longamente, como que descobrindo o mundo. Subir morro. Ver o mar. Vamos. E parece um menino, um chefe de escoteiro a provocar a preguiça alheia, a espicaçá-la, porque é um grande animador, quando quer. Automóvel, dirige mal.

Deita de madrugada. Gosta de varar a noite na conversa inteligente e suave, entre amigos, à sombra da estante, com um pouco de uísque. Falará de política, inevitavelmente seu grande assunto. Mas falará também de literatura, de filosofia, de religião, autores e livros, figuras, o que dizem os jornais de Paris, Londres, Nova Iorque. Lê a revista Time. Gosta de ler os poetas. Senghor, Cabra, Drummond, Cassiano, Pessoa, Lorca.

Não é um teórico. Mas a teoria o visita. Essencialmente, é um jornalista, pela vida que levou, pelo exercício contínuo de uma profissão em que chegou à culminância de ter um jornal. Não hesito em considerá-lo, sem favor, um dos maiores oradores e um dos maiores jornalistas brasileiros de todos os tempos. Gosto de retratos, de tirar e ser tirado. Gosta de cinema. Gosta de ouvir música, um pouco, sem paixões. Gosta imensamente de teatro. Foi ver duas vezes Castro Alves pede passagem. Não perde peça importante. Chora com facilidade no cinema e no teatro e na vida. Chorou vendo Love Story. Chorou vendo Romeu e Julieta, sobre que escreveu um estudo magistral. Gosta de escrever bilhetes. Gosta de bichos.

Seus maiores artigos? Conheço toda a sua obra. Toda, não. Quase toda. Escapou-me, não pude localizar o artigo-ensaio sobre o cooperativismo na Suécia, de 1947, encomendado e publicado por Valentim Bouças no Observador Econômico e Financeiro. Escapou-me um conto saída no O Cruzeiro. Descreve como ninguém uma cena, uma situação, um quadro, uma paisagem, como no artigo sobre Pistóia. Belo artigo escreveu sobre Lúcia Miguel Pereira e Otávio Tarquínio de Souza por ocasião da morte deles, num desastre de avião em 22 de dezembro de 1959. Tinham sido vizinhos na Samambaia, em Petrópolis. Entendiam-se. Outro bonito artigo é o texto do discurso com que se despediu, na Câmara Federa, de José Lins do Rego. O poeta Cassiano Ricardo considera esse discurso o mais belo que se fez na Câmara.

Seu estudo sobre a fragilidade de sir Wiston Churchill, que foi um maníaco depressivo, é outra página significativa. Ou ainda recentemente a sua Viagem à Cidade do Futuro Da Cidade Estática à Cidade Dinâmica, em torno da Ekistica, de Constantino Doxiadis. Toynbee, Doxiadis, Jung, os pensamentos de Mao, as Memórias de De Gaulle, Incidente em Antares, do Érico Veríssimo, um dos seus autores mais constantes, A Pedra do Reino, de Ariano Suassuna, que foi que ele não leu?

Joga cartas, razoavelmente, sem ser um grande jogador. Gosta de cozinhar, vai para a cozinha a prepara um peixe temperadíssimo com batata doce. Ou um frango. Trabalhar com as mãos, entre facas e temperos, lhe é agradável, às vezes, boemiamente.

Não é uma estátua, não é um medalhão, não é a imitação ou cópia de si mesmo. É um ser vivo, um homem dentro da vida, ou, para usarmos o título do livro de Osvaldo Alves, Um Homem dentro do Mundo. Vaidoso? Muito menos do que eu esperava. Nenhuma arrogância. Nenhuma presunção. A consciência dos seus limites. A consciência do seu poder. A legítima ambição das grandes ações, a que se referia Rui. Um certo medo de perder a chance histórica. A frase de Tolstoi ressoa dentro dele, ser sensível aos apelos da História:

Seu único temor era morrer sem ter feito ainda nada de bom nem de belo. E queria tanto viver, viver para realizar algum grande ato de sacrifício (Os Cossacos).

Sua biblioteca terá seus sete ou oito mil volumes, bem escolhidos e mal arrumados. São várias bibliotecas. A de livros mais raros, ricamente encadernados, tipo pra inglês ver, Lusíadas, Bíblia, álbuns finos, aves, bichos, Debret. Depois, a grande biblioteca, de uns cinco mil volumes em que predominam literatura brasileira, história, política, sociologia e filosofia. Maritain e Teilhard de Chardin. Depois, a biblioteca de livros de viagem, desde o nosso Oliveira Lima sobre o Japão até o guia moderno e prático de Paris. Livros sobre a Itália, a França, a Espanha, Portugal, o Oriente. E, por fim, o seu gabinete de trabalho, com a biblioteca dos dicionários e Enciclopédia Italiana, Espanhola, Dicionários de grego, latim, alemão, italiano, espanhol, inglês, francês, dicionário de toda ordem, de teologia, de filosofia, de sociologia, modernas edições, Who's Who, nosso bravo Sacramento Blake, dicionários de literatura. Um mundo. Sempre gosta de folhear, examinar um livro ou revista. Atento, minucioso, preciso. Está a par de tudo, notícias sociais e teorias científicas, potins e novidades religiosas. Interessa-se por psicanálise. Interesse relativamente recente. Pois antes detestava psicanálise. Por causa em parte de sua formação marxista. Leu muito Gramsci. Agora, apaixonou-se por Jung. Prefere Jung a Freud. Interessa-se por espiritismo, umbanda, parapsicologia, fenômenos metapsíquicos, hipnotismo, astrologia, horóscopos. Tem uma tendência profunda à superstição. Alia o espírito poético ao espírito científico. É muito mais um intuitivo do que um analista ou um doutrinal. Não conhece Lukács nem Croce, nem Ecco, nem Barthes. Mas conhece muito a obra de Proust, como conhece a de Eça. É um camiliano verdadeiramente nato. Leu Rui Barbosa, também camiliano, por quem teve e tem ainda uma espaçosa admiração, mais política do que literária. Rui é para ele o nosso Lincoln, o homem da liberdade, o último dos românticos. Penso neste destino eminentemente político. Um intelectual. Um artista. Um escritor. Um homem da palavra. Mário de Andrade o considerava o maior escritor de sua geração. E lhe pedia em carta de 1943 que Júlio Tavares contivesse o seu próprio brilho, a tendência que havia e há nele para brilhar fácil.

Supere o brilho fácil, o ruibarbosismo.

Mário lamentava um tanto o sacrifício do escritor à política. Mas esse sacrifício da liberdade à participação social estava na linha do seu destino.

Neto de político, que acabou ministro do Supremo, filho de político, de um grande deputado e grande orador popular, sobrinho de fundadores de partido, sua vocação normal era a política. Começou a trabalhar com 16 anos na página sobre Ensino, no Diário de Notícias sob a direção de Cecília Meireles, uma das ternuras de sua vida. Foi cronista no Correio da Manhã dos trabalhos da Assembléia Constituinte de 1946. Foi comentarista político no Correio da Manhã, enviado à Conferência da Paz de Paris, ao Oriente Próximo e à campanha presidencial americana em que Truman bate Dewey. No dia 27 de dezembro de 1949, funda seu próprio jornal, onde por dez anos escreveu artigos de um grande brilho e de uma impetuosidade. Vereador. Deputado Federal. Governador. Candidato à Presidência. Agora, presidente de empresas privadas. Seu destino irresistível é a vida pública. Aquela sensibilidade crispada e sofrida, capaz de entender o avesso do mundo. Um polemista arguto. Um poeta sutil. Esse jornalista, que foi tudo, noticiarista, redator, secretário de redação, diretor de agência noticiosa, colunista político, encontra hoje nas viagens o prazer que o faz suportar o peso da vida, esse prazer de descobrir mundos novos, que é um traço de sua personalidade inquieta, ardente e violenta. "Seja o que Deus quiser", é uma frase muito dele que define. Será católico? É certo que se converteu ao catolicismo em 1949. Há nele um fundo cristão, um misticismo em disponibilidade, uma religiosidade que só um grande encontro poderia galvanizar.

Não gosta de falar da sua conversão religiosa.
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