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ACL - FUNDO DE ARQUIVO CARLOS LACERDA
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/ Lacerda e os Historiadores |
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Histórico Os resenhadores da história recente do Brasil de um modo geral, salvo as honrosas exceções que apontaremos nesta página, não se curaram ainda da enfermidade esquerdista que a última ditadura militar inoculou no organismo intelectual brasileiro. Carlos Lacerda, tendo dominado a política brasileira na oposição mais consistente que as oligarquias sofreram em todos os tempos, e talvez por isto mesmo, vem tendo continuamente deturpada a sua atuação, seja pelo preconceito mencionado acima, seja pela natural reação da oligarquia, a mesma, que continuou e continua no poder. Aos poucos, porém, surgem na imprensa lúcidos trabalhos sobre a fase empolgante e muitas vezes decepcionante pela qual passou a democracia brasileira nos anos que antecederam à ditadura militar de 60. Na página Correspondência com Carlos Drumond de Andrade já podemos destacar recentes estudos como os de L. Gutemberg, Octaciano Campos e alguns outros. Como trabalho de maior fôlego temos, na relação das exceções honrosas, o livro "Carlos Lacerda - A vida de um lutador” por John W. Foster Dulles (dois volumes, mais de 1.500 páginas). O primeiro volume abrange o período que vai do nascimento até 1964, quando C. Lacerda foi eleito governador do Estado da Guanabara. O 1o volume veio a luz em inglês e português em 1992; o 2o só apareceu em português neste ano de 2000. Trata-se de uma extensa e minuciosa biografia do jornalista que revolucionou a imprensa investigativa na década de 50 e influenciou como nenhum outro a evolução, ou involução, da história brasileira até 1968. Além da menção à biografia definitiva do brasilianista, esta página procura destacar os estudos mais isentos que começaram a ser publicados a partir de 1980, entre ele a tese de Maria Alayde Albite Ulrich e o estudo de José Honório Rodrigues. 1 - de Maria Alayde Albite Ulrich "Carlos Lacerda e a UDN - 1955 a 1965* 2 - de José Honório Rodrigues "Carlos Lacerda a Paixão Política" Introdução aos "Discursos Parlamentares", editado pela Nova Fronteira em 1982
1 - CONCLUSÃO DA TESE DE MESTRADO "CARLOS LACERDA E A UDN - 1955-1965 - ed/PUCRG - 1984, por Maria Alayde Albite Ulrich. Do estudo até aqui feito das atividades de Carlos Lacerda, como caso extremo de um partido "conservador, de direita", pode-se concluir, ao contrário que Lacerda, na realidade era um liberal progressista, defendendo a liberdade como princípio básico de toda conquista humana, da mesma forma em que era, por ser liberal, frontalmente contrário a toda espécie de totalitarismo. Em razão disto, e por isso mesmo, lutou, posteriormente, contra o que, a princípio em sua juventude - e por influência das posições políticas de seu pai, Maurício Lacerda - lhe pareceu a salda natural para os problemas do Brasil, ou seja, o comunismo, da mesma forma com que lutou contra os nazifascismos de toda ordem e, principalmente, os de sua pátria. Não combatia as pessoas, mas suas idéias e as ações que destas se originavam. Não era um radical. Ainda que posterior ao período considerado pelo presente trabalho, vale citar como exemplo disto a Frente Ampla que propôs: a união de forças políticas da esquerda à direita, para enfrentar a ordem vigente, o que serviu de pretexto para sua cassação. Por ser progressista, aceitava alguns princípios considerados como socialistas, sem ser, evidentemente socialista. Era, no dizer de Baciu, um democrata-cristão. Em razão desses princípios condenava os erros do Governo brasileiro, que havia institucionalizado no Brasil os erros do socialismo e do capitalismo e não as suas qualidades. Examinando-se, um a um, os discursos de Lacerda, não se percebem neles qualquer expressão diferente das pronunciadas pelos parlamentares de Oposição de hoje, em relação aos governantes. Até os temas são iguais, bem como não era diferente o tom, no parlamento, na República Velha. Então onde a virulência de Lacerda? A força que suas palavras adquiriam era a força não só da forma por que as dizia, mas das provas que as acompanhavam e, ainda, da constância com que se mantinha no assunto. Dos seus discursos fica evidente o respeito com que tratava certos adversários, bem como a indiferença em relação a outros. Lacerda era homem de indignações profundas e imediatas, não de ódios, pois como ele mesmo considerava, o ódio escraviza e ele não pretendia ser escravo de ninguém. Da análise de sua obra como político atuante fica, da mesma forma, claro e evidente, a total coerência entre suas palavras e ações; Lacerda podia mudar, e mudou, porque cresceu, mas não mudou na defesa apaixonada que fez sempre da liberdade, da democracia e da real igualdade dos homens. * Da Dissertação de Mestrado de Maria Alayde Albite Ulrich - edição fora do comércio pela PUC do Rio Grande do Sul em 1984.
2 - de José Honório Rodrigues "Carlos Lacerda a Paixão Política" Introdução aos Discursos Parlamentares, editado pela Nova Fronteira em 1982 Vi e ouvi Carlos Lacerda pela primeira vez em 1933, ele e eu estudantes da então Faculdade Nacional de Direito, ambos nos nossos vinte anos, e ao escutá-lo de baixo, ele colocado no topo da escadaria do velho prédio da Rua do Catete, fui tomado de admiração pela força de sua eloqüência. Magrinho, cabeça erguida, nariz fino, olhos penetrantes, voz estupenda, cujo som repercutia como uma música, guardo até hoje sua imagem. Era um pregador, e como disse o grande Padre Antônio Vieira no Sermão da Sexagésima, neste se devem "considerar cinco circunstâncias: a pessoa, a ciência, a matéria, o estilo e a voz". Em Carlos Lacerda concorriam todas essas qualidades. A pessoa, que era um belo exemplar masculino, de excelente aparência; a ciência, que era o marxismo, de que estava então inculcado; era bem visto e bem ouvido por jovens estudantes sempre prontos, no seu idealismo, a receber a doutrina nova. A matéria era sempre política. Não era, assim, um orador comum, era um pregador, sua seria durante toda a sua vida, tentando converter pela palavra os seus ouvintes. Nessa relação íntima que se esta estabeleceu entre o pregador e o ouvinte, concorre o pregador com a doutrina, persuadindo, comovendo o ouvinte com o entendimento, a percepção. Se era um caminho ou um descaminho, ele próprio mais tarde afirmou ter sido a segunda hipótese. Quanto a mim, nunca aceitei o marxismo, pela minha formação religiosa, primeiro no colégio Santo Antônio Maria Zacaria e depois no Ginásio e no Mosteiro de São Bento. E ainda porque, ao ler os teóricos marxistas, senti que havia no marxismo muito acerto e também muito desacerto. O acerto principal, o maior feito do marxismo, foi a descoberta e a análise da sociedade capitalista moderna como fenômeno histórico inteiramente singular, que servia e serve como uma hipótese de trabalho, no conjunto das ciências sociais, e a relação de funcionamento entre a estrutura econômica e a subestrutura sócio-política. E seu principal desacerto consistiu na fatalidade das etapas sucessivas das fases históricas humanas, tal como Comte e Vico as imaginaram. Marx provocou a reviravolta do hegelianismo num sentido realista, isto é, radical, antiespiritualista, para o qual a nova concepção da dialética o faria pensar, assim como a Engels, numa infeliz designação de "materialismo histórico" ou filosofia materialista da história. Ernst Troeltsch, o grande filósofo e teólogo alemão, no seu livro Der Historismus und seine Probleme1 (O historicismo e seus problemas), escreveu que se pode e se deve fazer abstenção, desde o início, do materialismo, se quiser entender corretamente os fatos principais. Fundamentalmente se trata, tanto para Feuerbach como para Marx, de uma dialética realista e não simplesmente materialista. O mundo para Carlos Lacerda naquele remoto ano de 1933 não era matéria mecânica, morta, mas realidade móvel que influía na consciência, o ponto terminal do processo, como valor infinito da razão, porém agora, na verdade, não da razão divina, mas da única real, a humana, finita. Esta era sua doutrina naquela época: o próprio homem como processo real, assim como todas as suas criações políticas, éticas e religiosas são apenas reflexos de acontecimentos e feitos puramente empíricos. Com isso atinge-se o auge do antiespiritualismo, o extremo factualismo apaixonado da realidade. O que é necessário ficar claro é que nem ele nem eu que o via e ouvia sabíamos com maior conhecimento o marxismo, que é uma concepção da história antiespiritualista e antimística, ou fundamentada especialmente na economia social, sem ser uma metafísica materialista, como depois revelaria o próprio Marx ao tratar com o maior desprezo os Büchner, os Vogt e Maleschott. A dialética econômico-social alargada é o núcleo de tudo. A verdadeira análise histórica nunca decompõe meros processos isolados, para depois sintetizá-los de novo, segundo leis naturais e gerais, mas encontra por toda parte grandes conexões vitais que dominam períodos inteiros, nos quais se baseiam a unidade espiritual anterior e a fatalidade ou necessidade do acontecimento, apesar de todos os cruzamentos, de todos os tumultos e acasos. Citando uma vez mais o Padre Antônio Vieira, dizia ele que, para uma alma se converter por meio de um sermão - que tem os mesmos efeitos do discurso na eficácia histórica -, há de haver três concursos: há de concorrer o pregador com a sua doutrina, persuadindo; há de concorrer o ouvinte, com o entendimento percebendo; há de concorrer Deus com a sua graça, alumiando. Vimos e ouvimos a pessoa e a matéria. O estilo era muito claro e muito alto; tão claro que o entendiam os que não sabiam e tão alto que tinham muito que entender os que sabem. Carlos possuía desde cedo boa voz e bom peito. Era uma voz sonante, clara e limpa, que arrazoava e não bradava. O pregar ou o discursar, o orador sacro ou profano, parlamentar ou público, exige todas essas qualidades para obter sucesso. Quando se fala em público, entra-se em batalha com os erros que se quer combater ou tenta-se impor ou converter idéias e ideais. Tem-se que responder às dúvidas, satisfazer às dificuldades, impugnar e refutar com toda a força da eloqüência os argumentos contrários, e depois disso persuadir e colher os frutos da sua palavra. Assim ensinou o maior pregador que o Brasil já ouviu, o jesuíta Antônio Vieira. Além disso, não se deve esquecer que Hegel ensinou que "as ações se revelam também como discursos, porquanto atuam também sobre a representação. Porém os discursos são atos entre os homens e atos essencialmente eficazes. Por meio dos discursos são empurrados os homens à ação, e esses discursos constituem então uma parte essencial da História." 2 O episódio que Carlos Lacerda conta neste belo livro que é A casa do meu avô 3 revela bem a influência do Ministro do Supremo Tribunal Federal Sebastião Lacerda, seu avô, na sua formação como orador público e político. "Vinha o Avô, no serão, sob a luz dos bicos de gás, na mesa da sala de jantar, perto de uma velha pia de cores densas e profundas, passar a solenes leituras mais substanciosas. Lia o que acabara de escrever. Algum voto que devia proferir no Supremo Tribunal sobre recursos extraordinários, agravos, acórdãos. Além da Isaura, mas esta levantava-se constantemente para providências caseiras, sob o olhar não sei se de censura ou queixa de meu Avô, a platéia constava de outro ouvinte, o administrador da chácara, o Zé Português, que escutava tenso, de sobrolhos fechados. Espera pelo desfecho. E também eu, que me comprazia num exercício de adivinhação do sentido obscuro daquelas palavras que intuía até que o sono me derrubava." Em longa entrevista à revista Manchete a versão aparece um pouco modificada. Ele conta que "na solidão da chácara, na antiga sala de jantar do chalé de seu pai, junto ao qual ele construiu uma imensa casa de três andares, uma espécie de caixote sobre o qual estendeu os trilhos e encheu de cimento, numa tentativa de concreto armado que todo ano rachava e dava goteiras, ele aparecia, à noite, com os autos de processos que levava do Rio para relatar ao tribunal. Lá estavam os ouvintes habituais: o José Português e eu. Falto de auditório, lia para si mesmo, mas em voz alta, o voto que acabava de escrever. Um dia, o José Português perguntou-lhe depois de ouvir atentamente: Afinal, o senhor vota contra ou a favor? E perguntava: e o Hermenegildo, com quem votou? E o Lins? E o Godofredo? E eu só ouvindo, enquanto as mariposas se queimavam na luz do carbureto, que silvava sobre a mesa."4 Carlos reconhece que "pelo muito que em mim influiu, embora morto quando eu tinha onze anos, creio tê-lo conhecido bastante. Havia no seu espírito um misto de alegria infantil de viver e uma reserva inesgotável de indignação. Suas reações eram fortíssimas, passeava de um lado para outro, as mãos nas costas, investia de dedo em riste, momentos depois, descarregada a tensão, retomava a conversa em tom mais ameno."5 Nesse trecho se revela a influência do avô ao despertar a consciência do futuro grande orador, pois educava-o sobre o valor da palavra escrita e falada. Se somarmos a isso o estímulo que representava a força oratória de seu pai, que ouvi também falando da janela de um edifício na esquina da Rua do Ouvidor com a Avenida Rio Branco, quando Getúlio Vargas chegava vitorioso do movimento revolucionário de 1930, pode-se imaginar a impressão causada em Carlos, que herdou e soube cultivar a arte da pregação pública, política, parlamentar, na qual se revelou, para mim, o maior orador da minha geração. O pai, Maurício de Lacerda, tinha também a voz sonora, a dicção perfeita, a argumentação apropriada, e sabia despertar no peito de todos o entusiasmo pelo orador que lhes dirigia a palavra. A lição do avô não pára aí. Ele conta um episódio que me parece marcante na sua formação. É a história dos conspiradores que foram acolhidos pelo Ministro Sebastião Lacerda, que viu a casa cercada por tropa militar e com ordem de revistar a morada do magistrado do maior tribunal do País. O Ministro, com toda a firmeza, perguntou pela ordem judicial. O oficial declarou que não tinha, mas recebera ordens superiores. "Sem mandado de juiz o senhor não entra na casa. Primeiro terá que me matar." Realmente dera guarida aos revolucionários e os ajudou a fugir no dia seguinte.6 Carlos deve ter aprendido do avô o amor à liberdade, que o leva mais tarde a lutar contra a ditadura de Getúlio Vargas e a conduzir de maneira memorável as campanhas da UDN. Não entro no problema do liberalismo contido, discriminatório, que a UDN representava, porque o nosso liberalismo foi sempre assim. Um liberalismo que conviveu com a escravidão, como acentuou Joaquim Nabuco,7 incisivo e sempre firme na incompatibilidade da escravidão com o liberalismo: "O verdadeiro patriotismo, isto é, o que concilia a pátria com a humanidade, não pretende mais que o Brasil tivesse o direito de ir com sua bandeira, à sombra do direito das gentes, criado para a proteção da nossa espécie, roubar homens na África, e transportá-los para o seu território." O próprio Joaquim Nabuco escrevera antes que era incompatível a existência da escravidão com o liberalismo e que a corrente abolicionista do Partido Liberal conseguira, pelo menos, pôr a descoberto os alicerces mentirosos do liberalismo entre nós.8 Como disse, eu tinha visto e ouvido Carlos Lacerda, mas foi no I Encontro dos Intelectuais, realizado em São Paulo em janeiro de 1945 e que terminou com uma declaração de princípios pedindo a volta da legalidade democrática, escrita por sinal pelo próprio Carlos Lacerda, membro da comissão política, que vim a conhecê-lo já na viagem de trem para São Paulo e durante os dias de reunião. Desde então estabeleci com ele e Letícia, sua mulher, relações de amizade que tiveram altos e baixos devido não só a divergências políticas, como as diferenças de temperamento. Freqüentei sua casa no Rio e em Samambaia (Petrópolis), onde moravam há mais tempo nossos velhos e inesquecíveis amigos Otávio Tarquínio de Sousa e Lúcia Miguel Pereira. Muitas vezes trouxe para o Rio seus artigos da Tribuna de Imprensa , bem como escrevi páginas inteiras no suplemento literário que a Tribuna publicava aos sábados. Em 1955, voltei a ser seu colega na Escola Superior de Guerra, onde, como na Faculdade de Direito, Carlos não concluiu o curso, envolvido nos golpes e contragolpes de 1955, que o obrigaram a sair do Brasil. Refugiou-se primeiro em Cuba e logo a seguir nos Estados Unidos. Ali, aonde eu ia com freqüência para conferências, reuniões, colóquios e cursos, fui procurá-lo numa cidadezinha perto de Nova Iorque. Fomos de trem eu e Américo Jacobina Lacombe, num domingo. Na segunda-feira tornamos a encontrar-nos, já sem a companhia de Lacombe, passamos a tarde juntos, jantamos e fomos ver um belíssimo filme sobre Mozart. Assim, demo-nos bem, porém muitas vezes discordamos. Numa delas foi sobre a política exterior do Presidente Jânio Quadros, a chamada política livre e independente, sobre a qual escrevi dois extensos artigos, que ocuparam páginas inteiras do jornal do Brasil 9 e mais tarde publiquei no meu livro Interesse nacional e política externa .10 Foi, porém, a paixão que gerou tudo, o grande orador, o grande Líder, a personalidade controvertida, amada e odiada, a inspiradora de um dos homens que mais influíram com eficácia na história brasileira entre 1945 e sua cassação em 1968, quando ainda sonhava ser Presidente da República. O grande historiador Jacob Burckhardt escreveu que "pode-se dizer no elogio da crise que a paixão é a mãe das grandes coisas, isto é, a verdadeira paixão que trata de criar algo de novo e não somente destruir. Tudo que está dotado de algum valor tem, então, a possibilidade de revelar-se, porque os obstáculos foram derrubados ou estão a ponto de sê-lo. É necessário considerar as crises e suas exaltações fanáticas, apropriadas cada vez à idade do povo em questão, como um sinal autêntico de vida, pois a crise é um expediente da natureza para que cesse a febre. (...) Todas as evoluções espirituais se fazem mediante saltos sucessivos; tanto na comunidade como no indivíduo." E Burckhardt conclui que "as crises representam encruzilhadas no nosso desenvolvimento". Relembra também que, apesar das pseudo-revoluções, sempre se evitou a grande crise, profunda e radical, que é a ascensão do povo ao Poder. Para ele, todo ato de violência coroado de escândalo, isto é, um mau exemplo. Recorda que a Cidade de Deus , de Santo Agostinho, não seria um livro tão significativo e independente se não tivesse sido escrito durante o desmoronamento do Império Romano do Ocidente; e que Dante compôs a Divina Comédia no exílio.11Foi a paixão que levou Carlos Lacerda a considerar, como considera no seu Depoimento ,12 o Poder como fonte de alegria. "O Poder não é cargo de sacrifício, o Poder, antes de tudo, é uma fonte maravilhosa de alegria."Ainda mais: ele achava que se perdia muito tempo com a política, no sentido de meio, e não no sentido de fim, e a política "como meio me interessa muito pouco, o que interessa é o fim”. A política como fim, que era o de, ao chegar à Presidência da República, "fazer coisas", desfez-se como um sonho em 1968.É muito difícil distinguir a grandeza do simples Poder, pois este deslumbra fortemente quando acaba de ser adquirido ou quando cresce bruscamente.O motivo inferior que empurra os homens é, em primeiro lugar, o amor à glória, ou sua forma mais corrente, a ambição, isto é, a necessidade que experimenta o indivíduo de ser admirado por seus contemporâneos ou, mais exatamente, senti-los debaixo de sua dependências.13Theodore Mommsen, o grande historiador alemão, quando viu sua História de Roma duramente criticada pelos seus contemporâneos, devido especialmente à sua compreensão do papel de César, escreveu: "Começo a ver que a História nunca é escrita ou feita sem amor ou ódio." Com isso ele significava que a paixão é uma forma de conhecimento histérico, singular, individual e valorativo.14
2. Os discursos Este volume de Discursos Parlamentares de Carlos Lacerda reúne algumas de suas orações proferidas durante o exercício de seu mandato político na Câmara dos Deputados. A seleção foi feita pelos seus filhos e editores, Sérgio e Sebastião, e a seu convite escrevi esta "Introdução". Quem ouviu Carlos falar não somente na Câmara, mas na rua, nos comícios, na televisão ou no rádio, terá uma imagem muito maior de sua oratória extraordinária do que deixam ver estes Discursos. Arthur Schlesinger Jr., o famoso historiador americano que foi assistente do Presidente John F. Kennedy, conta uma conversa entre o grande liberal Adlai Stevenson e o Presidente Kennedy que se aplica a estes Discursos: "Você se lembra que nos tempos clássicos, quando Cícero acabava de falar, o povo dizia: ‘Como ele fala bem'; mas quando Demóstenes acabava de falar, o povo exclamava: ‘Marchemos'."15 Pela língua e literatura Carlos suplantou o pai, Maurício, porque tinha, sobretudo maior formação literária. Mas, aplicando a conversação Stevenson-Kennedy a Carlos Lacerda, parece-me que ele foi, conforme o momento histórico, ora ciceroniano, ora demosteniano. Ciceroniano porque era anticesarista, lutava contra a Ditadura embora muitos temessem que ele, se chegasse ao último Poder, à Presidência da República, se tornasse por sua vez um ditador, o que não creio, porque ele era fluminense, e os ditadores nascem no RS. Ciceroniano porque representou e defendeu os interesses da classe média e média superior. Desde a época romana até chegar ao século XIX, é certo que ninguém exerceu tanta influência, tão singularmente viva, como Cícero sobre o desenvolvimento do conjunto de idéias da chamada civilização ocidental. Como acentuou o grande historiador holandês J. Huizinga,16 a figura de Cícero é notável sobretudo porque sua ação fecundou a cultura e continuou sendo, até o passado mais próximo, infinitamente mais importante do que seria permitido pressagiar diante da profundidade de seu espírito ou a importância de sua personalidade. Carlos Lacerda foi um ciceroniano porque falava e escrevia extraordinariamente bem e fecundou ou destruiu personalidades e coisas do seu tempo. E, ainda mais, porque, representando a classe média e média superior, ele mostrava-se sempre cheio de indignação, sentimento da classe média aproveitado, em outro sentido, por Adolf Hitler para subir ao Poder na Alemanha. (O melhor estudo relacionando a classe média e a indignação moral foi escrito por Svend Ranulf no livro Moral indignation and middle class psychology. A sociological study .17) Carlos Lacerda foi igualmente demosteniano porque foi o político brasileiro que revelou exercer maior eficácia histórica através da palavra escrita e falada, durante seus anos de atividade política. Desde a entrevista que realizou com José Américo e publicou no Correio da Manhã, em 1945, mostrou a força conjunta daquelas duas grandes personalidades na política brasileira, pondo um fim à censura da imprensa. Carlos Lacerda tinha, então, trinta e um anos. Nos próximos vinte e três anos, até 1968 e sua cassação, sua atuação política quase sempre surtiu efeitos imediatos. Daí sua eficácia histórico-política. Ninguém sozinho influiu tanto no processo histórico brasileiro como Carlos Lacerda de 1945 a 1968. O próprio General Osvaldo Cordeiro de Farias um dos maiores conspiradores da história contemporânea brasileira, em seu livro Meio século de combate ,18 afirma que "ele (Carlos) desempenhou um papel muito importante na ação contra Getúlio. A morte do Major Vaz é uma conseqüência da sua luta. Aquela turma da Aeronáutica à qual pertenceu Vaz era inteiramente dedicada a Carlos. Ele era Deputado e fazia discursos violentíssimos contra o Governo. E se vocês o ouviram alguma vez devem saber que era muito difícil resistir à força de suas palavras. Ele era um gênio como tribuno, arrastava a audiência. E teve papel muito saliente no desfecho dos acontecimentos." Esse testemunho confirma à caráter demosteniano de sua oratória, isto é, produzir efeitos históricos imediatos pela palavra falada e escrita, na tribuna do Parlamento, no rádio, na tevê e nos jornais. Ele foi um demolidor de Presidentes da República, e Juscelino Kubitschek talvez só tenha cumprido os seus anos de Governo porque fechou a televisão às investidas de Carlos Lacerda. Tancredo Neves, em entrevista concedida a O Estado de S. Paulo ,19 declarou que começou a sentir o desmoronamento do Governo (de Getúlio Vargas) quando houve a tomada de posição radical da imprensa nacional prestigiosa, a mais tradicional, contra o Governo. "Não era apenas uma campanha de demolição que pregavam os jornais desde o Rio Grande do Sul até o Amazonas. O Assis Chateaubriand, que tinha então um império jornalístico, ficou contra o Governo, e todos os esforços para reconquistá-lo falharam." E continua, afirmando que "a situação já era bastante grave, crítica mesmo, pois foi nessa época que houve o episódio de Toneleros. O Lacerda já era uma vedete, procurando falar em toda parte - em comícios, colégios, etc. - com aquele grande poder verbal que Deus lhe deu e que ele apurava a cada dia. A certa altura, sentiu-se ameaçado e pediu garantias. Fez isso por intermédio do Armando Falcão, que era então Deputado Federal e apareceu no Ministério da justiça para falar comigo. Disse-lhe que meu dever era dar garantias a qualquer pessoa que me pedisse, mas que no caso do Lacerda, que conhecia bem a polícia do Rio, gostaria apenas que ele próprio indicasse os policiais que deveriam protegê-lo. Ponderei-lhe que, se eu mesmo fizesse a indicação, ele poderia julgar que os policiais, em vez de protegê-lo, seriam uma ameaça. Lacerda concordou, fez as indicações e o General Morais Ãncora, então chefe de policia, baixou uma ordem a meu pedido colocando aqueles elementos à sua disposição. Algum tempo depois, nos relatórios que recebia sobre reuniões de Lacerda, começaram a surgir referências à presença de militares do Exército, Marinha e Aeronáutica, acompanhando ostensivamente seus pronunciamentos. Achei isso muito ruim e solicitei mesmo a atenção do Presidente para o fato. Nisso Lacerda dispensa os policiais. Chamei o Falcão e disse-lhe: ‘O Lacerda pediu proteção, esta lhe foi dada. Gostaria agora que ele me desse um documento no qual deixasse claro que dispensa a segurança. Deus permita que isso não aconteça, mas pode sobrevir um acidente com ele e não quero que isso seja de minha responsabilidade.' Lacerda deu-me esse documento que deve estar junto aos demais relativos ao caso nos arquivos da polícia. É que ele já dispunha de proteção militar. Nos relatórios que recebia havia sempre referência ao Major Rubens Florentino Vaz, um excelente oficial. A coisa foi num crescendo, com a Tribuna da Imprensa cada vez mais violenta, até que sobreveio o episódio de Toneleros, com Lacerda ferido e o Major Vaz morto. Aí foi realmente um pandemônio. No dia do atentado, cheguei em casa de madrugada, por volta das duas horas, e mal acabara de vestir o pijama recebi um telefonema do General relatando os fatos. Tive a impressão instantânea de que era o fim. Pela manhã fui ao palácio conversar com o Dr. Getúlio sobre o assunto. O Presidente, que estava profundamente traumatizado, teceu aquela famosa frase: 'Esse tiro que atingiu o Major Vaz atingiu-me também pelas costas.' Ele não tinha dúvidas de que a situação era grave. Logo depois criou-se a ‘República do Galeão' e a situação piorou ainda mais, porque não se tratava de uma crise política, mas militar. Não havia mais instrumentos políticos para contorná-la. A situação se deteriorou definitivamente quando se descobriu que havia elementos da guarda pessoal do Presidente envolvidos no atentado. Fui ao Presidente, expus-lhe a situação e pedi-lhe a dissolução da guarda e a prisão de todos os elementos implicados, com o que concordou plenamente."20 O trecho transcrito é longo, mas sumaria e exemplifica a força, a influência da palavra falada e escrita de Carlos Lacerda na fabricação histórica imediata. Insisto na tese da eficácia imediata, instantânea da palavra escrita e sobretudo falada exercida pela poderosa inteligência e a rica fluência do verbo de Carlos Lacerda na criação histórica brasileira contemporânea. Carlos conta, no seu Depoimento, que ele aprendera em conversa com o General Denys uma lição que nunca mais esqueceria. Denys lhe dissera ter aprendido na Escola Militar “que não interessa o que o adversário quer fazer; o que interessa é saber o que o adversário pode fazer”. O objetivo do adversário é relativamente secundário para nós. O que é importante para nós é saber com que elementos ele conta para realizar seu objetivo. É eu sabia que os senhores não tinham forças para realizar aquilo que queriam. Os senhores tinham oficiais sem comando; tinham o pessoal da Escola Superior de Guerra, mas não tinham os quartéis. Quem tinha os quartéis éramos nós. E a prova é que em poucos minutos decidimos o problema." "Eu, então, comentei: ‘Isso é uma boa lição para mim e eu vou guardá-la o resto da vida: o que interessa não é o que o adversário quer fazer e sim o que ele pode fazer.' Mas agora aproveito para lhe perguntar: ‘O que os senhores querem fazer, o que os senhores podem fazer em relação ao Governo de Jânio Quadros...' ‘O que podemos fazer é ajudá-lo a realizar o Governo que ele prometeu. Pode dizer isso a ele'."21 Antes, os udenistas não queriam respeitar o resultado das eleições que deram a vitória a Juscelino Kubitschek e os Generais Lott e Denys fizeram respeitar a decisão popular, apesar da oposição udenista alegando falta de maioria absoluta, depois da eleição de JK nunca mais exigida. A lição não foi aprendida por Carlos com as tentativas de golpe de 1954 e 1955, e mais tarde quando se insurgiu contra Castelo Branco e acabou cassado. Dario de Almeida Magalhães, figura exemplar pela integridade e inteligência, roubado à política pela advocacia na excelente e magistral entrevista dada a O Estado de S. Paulo e publicada em A história vivida22 , ao ser interrogado como interpretava o fenômeno Carlos Lacerda, respondeu que Carlos "era uma natureza vulcânica, um passional, com as marcas e os estigmas do temperamental, que o tornavam, sobretudo instável. Não seria capaz de amor duradouro, mas também não era capaz de ódio, Agia por impulsos e arrebatamentos. Tinha um talento excepcionalmente poderoso, uma espantosa força vital. Reunia todas as qualidades para a liderança política de grande envergadura, mas, como lhe disse mais de uma vez, faltavam-lhe duas importantes: paciência e astúcia. E essa deficiência explica, a meu ver, os malogros e decepções que teve na hora de colher os frutos dos seus espetaculares feitos e dramáticas saídas , no campo político, especialmente na hora culminante, na fase que se abriu em 1964 - graças, antes de tudo, à sua coragem, à sua bravura, à sua resistência quase heróica. Não teve paciência nem astúcia. "Ficou a justa fama de tombeur des presidents , e ele fez, sem dúvida, uma caçada real, em poucos anos - Getúlio, Jânio e João Goulart e de alguma forma Café Filho (este como resultado preterintencional). Só lhe escapou o Juscelino, que se soube defender de maneira vigilante, e entrincheirou a sua autoridade no sistema legal, que lhe garantiu a legitimidade do poder, atravessando as crises que enfrentou sem perder a popularidade e o acatamento dos órgãos constitucionais. Justa e privilegiada fama que consagrou Carlos Lacerda como o mais temível e implacável adversário político que o País conheceu, pelo menos nos últimos cinqüenta anos. E esta fama lhe devia tocar a vaidade, porque a sua arma de guerra era apenas a palavra, em que se transfundiu o seu talento - palavra cálida, ardente, tempestuosa, fulgurante, incansável, arrasadora, que cortava os ares como rajadas de fogo." Considero esse retrato feito por Dario de Almeida Magalhães tão perfeito que não resisti a transcrevê-lo tão longamente. Mais adiante, Dario lembra que Geisel garantiu a liberdade de imprensa e esta estava tendo um papel decisivo. "Hoje, politicamente, os comentaristas da imprensa representam muito mais que os Deputados ou Senadores. Quem lê discurso de Deputado? Os lidos são os comentaristas. (...) Daí os jornais serem mais lidos que os discursos dos parlamentares. “Não escapa nem o Brassard, que é o melhor orador da Oposição." Bem, é preciso levar em conta que a Contra-Revolução de 1964 restringiu o Congresso, diminuiu os poderes e garantias, e fortaleceu o Executivo, que pertence aos Generais que se sucedem por escolha deles, Generais. Eis por que chamo esse período iniciado em 1964, e já com dezoito anos, de generalismo, um fenômeno político-social parecido ao velho coronelismo e ao tenentismo de 1930. Eles possuem o Poder absoluto, tal qual a monarquia absoluta, não-constitucional, que travou o Poder do rei ou monarca. E assim acabaram com o Presidencialismo, porque de então até hoje só podem ser Presidentes Generais de quatro estrelas - um fenômeno político latino-americano. Os contemporâneos, os que viveram os seus dias de atuação política, dividiram-se pró e contra Lacerda, mas é curioso que nos dois volumes de A história vivida são muito poucas as referências a uma personalidade tão forte, que influiu com a maior eficácia e a curto prazo nos rumos do processo histórico brasileiro. Escrevi nas Aspirações nacionais . Interpretação histórico-política23 e depois em Conciliação e reforma, um desafio histórico-político ,24 que, na comparação a longo prazo entre o comporta- mento histórico da liderança e do povo, este, apesar de suas insuficiências e deficiências, foi sempre superior àquela. 2.1. Os discursos Parlamentares Como já tive ocasião de dizer, a seleção destes Discursos Parlamentares de Carlos Lacerda foi feita por seus filhos Sérgio e Sebastião, Diretores da Nova Fronteira. A seleção obedece, assim, duplamente ao critério dos filhos e editores deste volume. São ao todo 49 discursos. Os discursos incluídos são acompanhados de pequenas ementas que dão a essência do tema desenvolvido. A estréia de Carlos na Câmara dos Deputados ocorreu a 4.de março de 1995, e em seu discurso ele revela suas conhecidas qualidades de orador. Diz não receber lições de ninguém, mostra-se impiedoso com os adversários, sobretudo os que não lhe merecem respeito. Revela-se desanimado com os resultados das revoluções brasileiras e não atenta para o fato de que nenhuma revolução político-social foi vitoriosa no Brasil, e tão-somente as chamadas "revoluções" promovidas por pessoas da mesma classe social dos senhores do Poder. As revoluções político-sociais foram sempre derrotadas com a maior violência e sangueira, ao contrário das "revoluções" gênero Farrapos, Mineiro-Paulista de 1842, os movimentos deste século de 1922 a 1964, que se classificam no gênero daquelas feitas por iguais - há os que são mais iguais e outros menos iguais -, que não pretendem mudar a estrutura econômica e as relações de classes, característica essencial das Revoluções: Inglesa (1642-1646 e 1648), Americana (1776), Francesa (1789), Soviética (1917) e Chinesa (1948). Nesse mesmo discurso louva Mário de Andrade, que foi uma figura muito influente na nossa geração, e trata de vários outros assuntos. O discurso de 23 de maio de 1955 é dos melhores desta seleção. Trata, sobretudo da reforma eleitoral, examina os dois projetos existentes na Câmara e mantém com o Deputado Gustavo Capanema, um dos grandes parlamentares de sua época, um importante debate. O discurso de 4 de julho de 1955 é igualmente político e nele o importante é que Lacerda defende-a concessão de amplos poderes ao Executivo, o que significaria unir regime de exceção, que começaria promovendo a reforma da Lei Eleitoral, provocando assim grande impacto e causando, da parte dos adversários, respostas enérgicas. Discursa num clima de emoção e no debate é duramente criticado pelos adversários, respondendo com a energia que lhe é peculiar. É, enfim, um discurso fundamental porque faz advertências em relação a situações anteriores e previsões em relação a situações posteriores. No de 14 de novembro de 1955 fala da invasão da Hungria pelos soviéticos e denuncia nitidamente sua posição anticomunista. Outro discurso importante é o de 15 de maio de 1957, no qual, já como Líder da UDN, se defende da acusação de haver publicado o telegrama nº. 295. Na sessão de 27 de março de 1957 ele trouxera ao conhecimento da Casa, em sessão pública, o telegrama nº. 295 expedido pela Embaixada do Brasil em Buenos Aires e dirigido ao titular da Pasta do Exterior. Ele próprio assinalou o caráter secreto desse telegrama, marcado urgente, deu-lhe o número, a data e a hora da expedição. Identificou em todos os seus termos, com todos os detalhes e minúcias, o telegrama cifrado enviado pela embaixada em Buenos Aires. E, o que foi considerado mais grave, leu-lhe o texto integra. Foi então acusado pelo Líder da Maioria, Vieira de Melo, de ter, com esse gesto, comprometido todo o sistema de comunicações do Ministério das Relações Exteriores do Brasil com as Repúblicas sul-americanas vizinhas; e, também, com a violação do sigilo, a própria segurança nacional.25 Lacerda fora advertido pelo Ministro Macedo Soares,26 em - ofício dirigido ao primeiro secretário da Câmara, de 19 de março - dez dias antes de seu discurso em que revelou o segredo do documento -, que "a divulgação de um dos telegramas solicitados implicaria a revelação dessas fontes de informação e a quebra de chaves dos códigos secretos de que se utilizava o Ministério, com as imprevisíveis conseqüências para a segurança nacional, motivo pelo qual se via na impossibilidade de atender ao pedido do Deputado Carlos Lacerda". Este solicitara o texto integral e autêntico dos telegramas 295 e 293 da Embaixada em Buenos Aires, bem como quaisquer outras comunicações recebidas acerca do inquérito procedido na Argentina sobre o negócio do pinho do Brasil e sobre os Srs. João Goulart e Carlos Maura Rochetti. O Líder da Maioria, Vieira de Meio, acentuou a gravidade da revelação não somente do documento como da leitura em sessão pública, à qual não faltariam os representantes da imprensa escrita e dos documentários radiofônicos. Carlos Lacerda justificou seu procedimento minimizando a questão e criticando o sistema de comunicações do Ministério das Relações Exteriores. Na Tribuna da Imprensa publicou um suplemento com o título em vermelho " Artigo 44 da Constituição . Os Deputados e os Senadores são invioláveis no exercício do mandato por suas opiniões, palavras e votos." Opinaram no mesmo sentido Afonso Arinos, Alcino Salazar e Castilho Cabral. Carlos procurou estabelecer a justificativa de sua atitude, alegando que esta se inspirava no propósito de restabelecer a verdade e corrigir uma falsificação ou deturpação praticada pelo Ministro do Exterior, não confirmando que, mediante autorização do Vice-Presidente da Argentina, havia sido desmentida a participação do Vice-Presidente João Goulart no chamado negócio da exportação do pinho. A 6 de abril de 1957, o Diário do Congresso publicou o discurso de Vieira de Meio, Líder da Maioria, sempre aparteado por Carlos Lacerda e outros deputados a favor e contra a atitude deste, bem como o de Lacerda defendendo-se.27O debate foi longo e ferozmente travado não somente pelo Líder da Maioria, Vieira de Meio, como pelo Líder da UDN, Carlos Lacerda, com apartes e intervenções de vários Deputados e também discursos destes a favor e contra a leitura feita por Lacerda do telegrama cifrado nº. 295. Pediu-se então licença para processar Carlos Lacerda, e a Comissão Permanente de Constituição e justiça deu início ao debate pela Câmara do pedido de licença para processar o Deputado. Respondendo ao ofício nº. 62-57 da Procuradoria-Geral da Justiça Militar, o Relator Martins Rodrigues opinou pela concessão da licença, "na confiança de que entregue o processo à decisão da justiça agirá ela com aquela isenção e serenidade que soem qualificar os seus altos pronunciamentos". A seguir, redigiu-se projeto de resolução que concedia licença para processar criminalmente o Deputado Carlos Lacerda.28 A 10 de maio, foi publicado o Projeto de Resolução nº. 115, de 1957, que concedia licença para processar criminalmente o Deputado Carlos Lacerda. Discutido na Comissão de Constituição e justiça aquele projeto de resolução, foi aprovado a 8 de maio e assinado pelos Deputados Oliveira Brito, Presidente, e Martins Rodrigues, Relator. Publicaram-se também várias declarações de voto dos Deputados Milton Campos, Prado Kelly, Gurgel do Amaral, Raimundo de Brito, Pereira Filho, Leoberto Leal, Guilherme Machado, Chagas Freitas, Ari Pitombo. Segue-se uma longa defesa do Deputado Carlos Lacerda.29 Afinal, a 16 de maio, depois de falar em plenária Chagas Freitas e das desistências de vários Deputados, começou a votação. Feita a apuração, verificou-se que a licença fora rejeitada por 152 votos, sendo que 132 votos a aprovavam, e 13 votaram em branco. Afonso Arinos manifestou seu regozijo com o resultado da votação, que mantinha a inviolabilidade do mandato dos Deputados.30 Entre os muitos discursos proferidos, cito especialmente os dos Deputados João Villaboas,31 Mem de Sá,32 Moura Andrade,33 Afonso Arinos, Líder da Minoria,34 Vieira de Melo, Líder da Maioria,35 Raul Pila,36 Ferreira Lima,37 e Otávio Mangabeira.38 Quero ainda assinalar que O Globo de 3 de maio de 1957 publicou as duas cartas do Sr. Raul Fernandes a Carlos Lacerda, nas quais acentua ser impossível atender ao pedido deste exatamente devido ao sigilo e à descoberta da chave dos textos cifrados. Com tudo isso, desejo apenas chamar a atenção do leitor que os discursos de 15 e 16 de maio de 1957 só poderão ser compreendidos sabendo-se do grande debate parlamentar e das figuras nele envolvidas. E,, sobretudo, a participação de quase toda a Câmara por meio de apartes. O discurso de 23 de maio de 1957 condena a deflação feita à custa dos pobres e considera a inflação um mal necessário ao desenvolvimento. Tenta o entendimento com a Maioria e vê com bons olhos a emenda parlamentarista. Defende a pacificação das correntes de opinião, o combate à inflação, a redução dos investimentos estatais, o restabelecimento dos direitos da Minoria e afirma que o pobre é quem paga a deflação e "nunca tão poucos ganharam tanto". O discurso de 6 de junho de 1957, em resposta ao do Líder da Maioria, trata das vitórias e derrotas da Oposição, revela a indignação moral da UDN e a dele em especial, mas aceita o encaminhamento para a pacificação, declara haver uma divisão nas Forças Armadas, manifesta-se contra o confisco cambial, defende as garantias e prerrogativas do Congresso, acusa os brasileiros de terem memória ligeira, defende a reforma eleitoral, denuncia a existência de indústrias que têm dólares para comprar empresas e eleições, fala da aflição popular com o custo de vida, diz que a Oposição quer tratar o Governo de potência a potência em benefício da Pátria comum e do povo, que é a vítima. Afirma que os udenistas não são inimigos de ninguém, pede trégua e paz. É um discurso importante. No de 5 de setembro de 1957, declara que a função precípua do Congresso é política, e defende o direito i obstrução. No discurso de 2 de setembro de 1957, manifesta-se contra o voto do analfabeto, opinião da qual pessoalmente discordo, tendo escrito um longo artigo sobre "O voto do analfabeto e a tradição política brasileira", bem como "Eleitores e elegíveis: evolução dos direitos políticos no Brasil". (Esses estudos constam da reedição pela Nova Fronteira do meu livro Conciliação e reforma no Brasil. Um desafio histórico-político.39) Não concordo com a afirmação, nesse discurso, de que pela fraude eleitoral se consolida o Poder, uma oligarquia de carrapatos. Como temos sustentado em vários ensaios histórico-políticos, as minorias dominantes constituem um circulo de ferro que se abre, vez por outra, para que entre uma personalidade da sua classe que se vem revelando necessária à sua permanência no Poder, e isso não há, segundo ele, vinte e sete anos, mas desde a Independência em 1822. Volta Carlos Lacerda a defender um regime de exceção provisório, que faria a reforma eleitoral necessária à melhoria democrática, no discurso de 4 de setembro de 1957, no qual repete que a obstrução é um direito parlamentar incontestável. No discurso de 10 de setembro de 1957, louva Anísio Teixeira e sua obra pela educação brasileira, trata da democracia e a escola, manifesta-se novamente contra o voto do analfabeto, defende a escola gratuita e diz que o nosso sistema de educação é obsoleto. O caso do pinho e das atividades peronistas de João Goulart reaparece no discurso de 31 de outubro de 1957, bem como o acordo do trigo. O discurso de 4 de novembro de 1957 revela um argumentador admirável e um dos mais brilhantes oradores que existiram no Brasil. Carlos Lacerda não concorda com o reatamento dos negócios com os países comunistas e entende que se devem separar as questões comerciais das políticas. Trata também do golpe e contragolpe de novembro de 1955. Não comento todos os discursos, já que os leitores os têm ao seu dispor na íntegra e caberá ao leitor a crítica e o julgamento de cada discurso por si mesmo. É no dia 14 de novembro de 1957 que ele fala na Carta Brandi. Declara que a mesma foi falsificada no escritório do Sr. Lutero Vargas. Batista Ramos sustenta a falsidade da carta e diz que Lacerda sabia disso e dela se utilizou conscientemente. O General Emilio Maurell Filho declarou em entrevista pública40 que a carta atribuída ao cidadão Antônio Jesus Brandi e endereçada ao Dr. João Goulart era incontestavelmente falsa. Dizia mais que nada fora apurado que confirmasse as denúncias constantes da carta e provenientes de outras fontes relativamente ao contrabando de armamento de procedência argentina através da ponte internacional Uruguaiana-Paso de los Libres, e afirmava, finalmente, que estavam presos alguns dos responsáveis pela audaciosa intriga internacional. A 2 de novembro, em nova entrevista pública, apresentando provas concludentes, o General Maurell Filho sustenta que os autores do delito de falsificação eram os argentinos Alberto Jorge Mestre Cordero e Francisco Malfussi, ambos vigaristas conhecidos, com passado policial; e afirma ainda que a falsificação fora feita por iniciativa de seus autores, não lhe parecendo haver qualquer indicação de participação de terceiros na qualidade de mandantes do crime, visando ambos chantagear Carlos Lacerda ou João Goulart, as personalidades envolvidas no caso.41 Noutra entrevista, porém, o General Maurell Filho afirmou que tinha "elementos para provar que o ludibriado em alto grau em tido isso fora o Deputado Carlos Lacerda pelo falsário Cordero".42Tentaram os adversários de Carlos Lacerda processá-lo pelo crime de falsidade, mas desapareceram os documentos da 20ª Vara Criminal, cujo Juiz, Antônio Castro Assumpção, determinou rigorosas buscas. O processo não chegou ao fim.43 Em suplemento especial da Tribuna da Imprensa, Carlos Lacerda publicou seu depoimento sob o título "A traição em marcha".44 O discurso de 25 de novembro de 1957 critica a proibição do uso do rádio e televisão na convenção da UDN, e ataca com dureza o Governo Kubitschek, chamando-o de ilegal, inconstitucional, imoral, degenerescência dos princípios republicanos, e chega a dizer que é "um Governo na fraude, pela fraude e para a fraude". No discurso de 22 de novembro de 1957, declara-se católico e, como sempre, ataca o General Lott. O de 26 de novembro de 1957 é um dos melhores discursos desta série, combatendo a proibição do uso do rádio e televisão e reproduzindo editoriais da Folha da Manhã e d' O Estado de S . Paulo sobre a convenção da UDN. Elogia o discurso de Raul Fernandes ao saudar Milton Campos em nome dos convencionais e declara que "uma longa vida de estudos amparada por uma privilegiada inteligência faz do Sr. Raul Fernandes um dos homens culminantes da cultura brasileira e uma existência consagrada aos interesses gerais do País" o que dele faz não só um dos mais finos diplomatas e estadistas que a República já produziu, mas também uma das mais belas figuras que já militaram na política brasileira. Resume as palavras de Raul Fernandes que adverte estar o País sendo assoberbado por uma crise que é a maior de sua história, e sua origem é a mesma nos países da nossa civilização, fala dos Partidos liberais e que seu combate só poderá ser travado pelos Partidos recrutados tradicionalmente na classe média, que têm o desinteresse, a imparcialidade e a liberdade de espírito para arbitrar o conflito incessante entre as outras classes. Para Lacerda é necessária uma revisão e esta deve fundar-se no realismo político da UDN, isto é, tendo em vista "não um Pais ideal, um Pais de utopia, um Pais de teoria, um Pais de livros, mas um País vivo, a Nação candente, a vivência dos nossos problemas, da nossa psicologia popular e da nossa acidentada e contraditória formação nacional". Critica os abusos e deformações do Presidencialismo, defende a restauração da Federação, quer que a base da organização seja o município, e afirma que os Três Poderes são harmônicos e não independentes, mas interdependentes. A maior surpresa é afirmar que a Suprema Corte foi formada sob o influxo da experiência e tradição francesa, renegando sua própria natureza de Corte inspirada no modelo norte-americano. É um equivoco que revela nesse caso seu desconhecimento das Cortes americana e brasileira, como se pode ver nos livros de Lêda Boechat Rodrigues.45 Não houve influência francesa no Supremo Tribunal Federal, mesmo porque na França a instituição dominante é o Conselho de Estado. >Diz respeitar o Presidencialismo de alguns companheiros de Partido, mas que nessa altura da vida brasileira, usando expressão de um eminente publicista, ele é o fusível na chave da eletricidade para garantir a Nação contra os curtos-circuitos que periodicamente lhe incendeiam a casa e que foi essa garantia que levou os presidencialistas do Partido a admitirem que os parlamentaristas votassem em nome da UDN a solução parlamentar. Afirmou ainda que a UDN reconhece a existência de uma revolução democrática no mundo, através da superação do capitalismo liberal, do comunismo marxista e do socialismo reformante. Infelizmente não esclarece nem define essa revolução democrática que superou as formas políticas conhecidas e praticadas no mundo, embora critique as três com veemência. No discurso de 26 de novembro de 1957, discute o Orçamento do Ministério da Educação, a política educacional, diz o que deve ser um Orçamento da educação e uma revolução pela educação. Trata dos três graus do ensino e defende a desproletarização das classes trabalhistas para que elas possam, através do lazer e do salário alto, atingir a posição que lhes cabe no curso da sociedade humana. >O discurso de 6 de dezembro de 1957 é excelente, como amostra de sua oratória e de sua política. Trata do empréstimo de trinta bilhões, baseado no artigo de Pedro Dantas sobre operação de descrédito, lendo-o por inteiro e assim incluindo-o no seu discurso. Critica novamente Juscelino Kubitschek, usa zombaria e humor e até sarcasmo contra Juscelino e, depois de dizer que "já rimos demais", profetiza a marcha incoercível do Brasil para o caos, em face da lama em que se transforma o País. Não acredita em conciliação, usa com freqüência hipérboles e metáforas, e, enfrentando os abusos do orador, o Presidente da Câmara declara que mandará expungir do seu discurso as expressões anti-regimentais. Carlos conclui dizendo que "não podemos confiar num Governo sem palavra. Não temos confiança num Governo que não pune os ladrões". Os discursos pronunciados em 19 e 21 de setembro, 9 e 27 de novembro de 1957 são todos unidos pelo mesmo espírito de combate ao Governo Kubitschek e, sobretudo ao General Teixeira Lott, que frustrara o impedimento da posse do vitorioso nas urnas, o mesmo JK, pela UDN violenta, e evitara a sucessão constitucional de substitutos legais do Presidente. Segundo Carlos Lacerda, Teixeira Lott é obscurantista, asfixia a vocação histórica de defesa da liberdade do Exército brasileiro para convertê-lo num exército de decuriões, num exército de decadência romana, capaz de depor Presidentes legítimos para empossar duvidosos. Sua linguagem nessas horas não serve à verdade; nega a História que vimos e vivemos. Teixeira Lott dera um golpe, comandava um Exército que tiranizava sua gente, que alinhava o Brasil ria corrente russa do mundo, e o "golpe" de 11 de novembro levara ao Poder a coligação do negocismo com o comunismo. Esse "golpe", na verdade um contragolpe, ele próprio Carlos Lacerda aceitaria "se porventura dele não fizessem plataforma ideológica e de preparação militar subversiva aqueles que constituem o estado-maior ideológico e político do Sr. General Ministro da Guerra". Na verdade, esses discursos são um antidocumento oratório que a História contrariou, pois o certo é que Teixeira Lott repôs as correntes de opinião nas suas reais posições. A deturpação do papel histórico do General Lott, que de 1964 em diante fica mais evidenciada, é a tônica de uma verdadeira manifestação política condicionada pelas circunstâncias daquele momento. O discurso de 27 de novembro de 1957, aniversário do movimento militar aliancista, dominado pelos comunistas e, sobretudo por Luís Carlos Prestes, contribui com elementos históricos sobre o movimento comunista no Brasil, que Lacerda conhecia bem, embora muitas vezes chegasse a desvirtuar para fins políticos imediatistas a versão dos acontecimentos. Fala, então, das violências que degeneram na brutal repressão policial e na adoção, logo em 1937, de uma Constituição outorgada, copiada da Polônia do Marechal Pilsudski. Não omite os horrores cometidos contra a pessoa humana nos casos mais conhecidos de Prestes, da expulsão de sua mulher grávida Olga, de Berger e sua mulher, e do "suicídio" do norte-americano Victor Allan Baron. Mas, ao mesmo tempo, afirma que a vitória de Getúlio Vargas em 1950 abriu a perspectiva de infiltração e colaboração comunista no Governo, e assim ataca o Clube Militar e a Liga da Defesa Nacional, que se tornaram para ele bastões da invasão comunista no Brasil. Louva o Manifesto dos Coronéis, o primeiro documento revelador da união de forças militares não só obsessivamente anticomunistas, mas sobretudo a primeira advertência pública de que os militares pretendiam açambarcar o Poder, como vieram a fazer desde 1964 aos nossos dias. Esse Manifesto dos Coronéis e a organização anticomunista Cruzada Militar pretendiam lançar as sementes do futuro regime autoritário militar conduzido por Generais - daí ter eu chamado de "generalismo" - que se estabeleceria no poder vão já dezoito anos. Nunca houve antes no Brasil Generais que pretendessem tanto dominar e subjugar a Nação como os de 1964 a 1979, com todos os poderes submetidos a seu total controle, e, o que é pior, a favor dos ricos, pelos ricos e para os ricos, agravando a já histórica má distribuição da renda nacional. De modo que, se o discurso de 29 de novembro de 1957 se limita a retirar a Bancada para não dar votação ao projeto de empréstimo de trinta bilhões - de 1964 em diante os Governos têm vivido de empréstimos estrangeiros, que subjugam esta e futuras gerações de brasileiros, com a agravante de serem feitos sem audiência parlamentar -, o de 5 de dezembro de 1957 retoma a luta contra Teixeira Lott, General que, como o General Dutra, o Brigadeiro Eduardo Gomes, o General Juarez Távora, se submeteu à votação popular, e tanto os vitoriosos como os vencidos nas urnas acataram a decisão popular - coisa que os Generais de 1964 em diante jamais admitiram e por isso subverteram toda a ordem constitucional. Nesse último discurso, Lacerda mostra - o que vai num crescendo a seguir - seu descontentamento e, depois, sua revolta contra a proibição de usar o rádio e a televisão. O projeto de emissão de trinta bilhões de cruzeiros representava "o esmagamento das classes médias do Brasil e, por uma repercussão inevitável, o esfomeamento das classes trabalhadoras". E na sua indignação moral, que foi sempre a chave da sua conquista dos votos das classes médias, ele pergunta: "Como podem Partidos que para aqui vieram em nome de uma idéia progressista, em nome da democratização da economia, em nome dos sagrados interesses e direitos dos pobres e dos remediados, votarem essa monstruosa emissão, que vai do bolso do ricaço para o do ricaço?" >Assim, de tese em tese da classe média e média-alta, ele chega, no mesmo discurso, a dizer que o que estava na ordem do dia era o destino da legitimidade do Governo de Juscelino Kubitschek; combate novamente a proibição do uso do rádio e da televisão, fala no diálogo proibido, pois Juscelino falava e ele não, com o que afirmava não existir liberdade de opinião no Brasil - e ele veio a conhecer o que isso significava verdadeiramente pós-1964. E com aquele vigor físico e intelectual, de irradiação imediata, sobretudo na classe média, que sofria uma carestia - que não era nada diante da que vem a sofrer pós-1964 - sem igual, dizia que "chamar a isto (o Governo de JK) de uma democracia é cuspir no rosto do povo, é como lançar no rosto do povo o epíteto de idiota, é julgar que o povo não entende o que se está passando no Brasil". No discurso de 28 de maio de 1958, Carlos Lacerda está inspirado pelos anjos e congratula-se com o Presidente da Câmara (Ulisses Guimarães) pela maneira com que conduz a Casa, e pela primeira vez declara o notório e sabido, isto é, que "em nenhum momento a UDN pôs em dúvida a honorabilidade pessoal do Sr. General Lott, nem sua probidade". Tudo expresso numa enorme riqueza verbal e força de argumentação sofística, tendo por base a proibição do uso do rádio e da tevê. Ele fora proibido de falar exatamente pela força de sua palavra, pela riqueza de sua argumentação e pela nomeada de derrubador de Governos. No dia 21 de agosto de 1958, dedica sua fala ao papel da Universidade e aos problemas da formação cultural no Brasil; causa estranheza cite Rui Barbosa, formado na famosa Faculdade de Direito de São Paulo, como autodidata. Louva o papel do Movimento Modernista de 1922 e condena "a confusa mistura de ressentimentos de fascistas ultrapassados com a explosiva convicção de comunistas encapuzados". Baseia-se, para divergir dessa divisão de esquerda e direita, que repugna, sobretudo aos que não querem ser assim classificados, em Raymond Aron que, como pensador, é inferior ao inglês Isaiah Berlin,46 que exerceu grande influência no pensamento do General Golbery do Couto e Silva, o formulador teórico do autoritarismo militar que aparece no Manifesto dos Coronéis e exerceu um papel decisivo até 1980, com exceção do Regime Médici, o mais rigoroso, o mais cruento,, o mais sangrento, o que capou e recapou a voz e a liberdade do povo brasileiro, mais do que qualquer outro General em toda a história do Brasil. No discurso de 25 de agosto, que autorizava a remoção dos restos mortais do Marechal Deodoro para o nicho existente no pedestal do respectivo monumento, Carlos Lacerda combate o excesso de Generais no Exército e declara não duvidar "que o Brasil tenha, hoje, proporcionalmente, mais Generais do que o exército alemão de Hitler no auge do seu poderio militar". A frase sai no ardor do discurso, mas é logo remediada pela declaração que longe dele a idéia de diminuir o conceito, o valor, o papel da Força Armada, e pela exaltação do papel tutelar do Exército como Poder moderador das instituições brasileiras. Apesar disso, denuncia que o Exército absorve mais que os Orçamentos da educação e agricultura somados, sendo SS To com o pessoal, e que os capitães são reformados com dois postos acima, como coronéis. O Deputado Joaquim Rondon, em aparte, explica que o militar só é reformado dois postos acima se satisfizer duas condições: ter tomado parte na última guerra e ter atuado contra o movimento comunista de 1935. Carlos Lacerda termina seu discurso dizendo que se identifica com Evaristo da Veiga, com quem realmente, na minha opinião, muito se parece pelo espírito combativo, pela independência de opinião, pelo desacordo às figuras maiores em caso de desentendimento, pela representatividade da classe média e do seu conteúdo moral, a indignação. "Não é sequer minha", diz ele, "nem de hoje, a homenagem que, nos primeiros dias da independência desta Nação, prestava outro jornalista, e este verdadeiramente grande, Evaristo da Veiga, quando, em assunto similar, dizia que o Exército não podia ser cortejado, porque a simples cortesania já dava margem à suposição de sua capacidade de se deixar corromper." Carlos Lacerda, não tenho a menor dúvida, como jornalista e orador foi muito superior a Evaristo da Veiga, embora tivesse a mesma identificação espiritual, que era a indignação moral, sobretudo contra os seus grandes contemporâneos da vida política nacional. O discurso de 3 de novembro de 1958 é muito importante pela matéria em debate e porque revela a sua posição. Nele requer preferência para o Projeto nº. 22.22/57, que fixava as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Louva o "interessantíssimo depoimento prestado à Comissão de Educação e Cultura pelo Professor Anísio Teixeira", salientando a circunstância apontada por este, de carecer o projeto de uma conceituação filosófica, qual seja, a necessidade de definir o propósito, a objetivo da educação, cujas diretrizes e bases se pretendia fixar em lei. Nele, Carlos Lacerda define sua filosofia da educação. "A escola no Brasil", diz, "tornou-se um artifício, uma superfetação, tornou-se uma espécie de preparação para a anulação das qualidades e das vocações, das tendências e das potencialidades da inteligência do povo brasileiro, principalmente porque é organizada, é teleguiada, se assim me posso exprimir, por uma burocracia federal que prefixa os programas desde o Território do Rio Branco até as margens do Chuí, de tal modo que a imensa diversidade brasileira ainda não foi levada na devida conta pelo sufocante aparelho burocrático deste inútil e pernicioso Ministério da Educação e Cultura." Sua crítica era que a escola dividia trabalhadores intelectuais e manuais, e lamenta que pela premência do tempo não tenha podido melhor estudar a matéria. O discurso de 4 de novembro de 1958 sofisma e confunde o Líder da Maioria, Armando Falcão. Na sessão de 7 de novembro, ele instiga a desinteligência que alguns elementos da FAB tinham e mantinham com o General Teixeira Lott, Ministro da Guerra, e assim fala em crise militar, nos dias mais terríveis da evolução nacional (houve piores e haveria a seguir muito piores), ataca como sempre o General Teixeira Lott e a oligarquia corrupta que dominava o País, e sustentava que naquele ano de 1958 se travava no Brasil a luta pela presença russa na América do Sul. Ao declarar gasto o dispositivo militar de novembro, com vários exemplos usados ao talento da improvisação, ele afirma afinal: "gasto, ainda, porque não penetrou tão fundo quanto desejavam na consciência do povo a idéia de que nada mais há a esperar de ninguém porque todos valem nada". Essa expressão final de que todos valem nada lembrou-me pensamento igual de Joaquim Nabuco em O abolicionismo47 , que "nenhum homem vale nada, porque nenhum é sustentado pelo País." Fala, depois, na união com Jânio Quadros e na próxima e futura vitória da UDN, e chega a falar na "imoralidade" que fora a "nomeação" de um Presidente da República, referindo-se a Juscelino Kubitschek. A 12 de novembro, volta à tribuna, cedida pelo Vice-líder da Maioria Alberto Torres, apresentando críticas ao programa econômico do Governo e negando-lhe apoio por se tratar de programa a seu ver injusto, e disforme. Em nome da Oposição resigna-se a criticar um programa que não é programa, e a censurar uma política que se diz de desenvolvimento nacional, mas que se resume em colocar nas mãos do Estado os recursos que este arranca da agricultura, da indústria e do comércio. Recebe logo o apoio de dois empresários, os Srs. Horácio Lafer e Herbert Levy, ambos de São Paulo, ambos, apesar de pertencerem a Partidos diferentes, com a mesma visão econômica, da qual partilhava Carlos Lacerda. O plano econômico exposto por Carlos Lacerda, e que era o mesmo de toda a Oposição e de todas as classes dominantes naquela época, no Governo ou na Oposição, ontem ou após 1964, consistia no monetarismo. As metas de Juscelino Kubitschek, com algumas reformas estruturais, tinham abalançado certas estruturas econômicas, mas, no fundo, JK nunca chegou ao estruturalismo, aproximando-se mais da Oposição do que parecia a Lacerda, e este restringia-se ao monetarismo ortodoxo, tal como o dos Srs. Horácio Lafer e Herbert Levy, isto é, à defesa da moeda, do crédito, da exportação, e nenhuma medida estrutural. O que o Fundo Monetário Internacional advogava eram Orçamentos equilibrados, contenção da expansão do crédito, estabelecimento de uma única taxa de câmbio e abolição dos controles na troca comercial. A 14 de novembro de 1958, ao combater o que chamou de tentativa de enquadrar o Diário de Notícias na Lei de Segurança Nacional, Lacerda louvou, com os maiores elogios, o General Canrobert Pereira da Costa. Com Canrobert estavam os coronéis de estado-maior: Golbery do Couto e Silva, Jurandyr Mamede, Heitor Herrera e outros que conspiravam na Escola Superior de Guerra, não contra JK, mas contra o regime democrático, defendendo um regime de exceção que preparasse as condições para uma futura e remota democracia no Brasil, pois julgavam que o povo brasileiro era incapaz e despreparado para a democracia. Esse foi o modelo de 1964 e dos movimentos similares na Argentina, Uruguai e Chile. Mais tarde, na Frente Ampla, Carlos Lacerda perceberá as funestas conseqüências dessa preparação ideológica antidemocrática e antibrasileira, que nos deu duas décadas de regime autoritário, disfarçado pelo generalismo-presidencial. Acabou-se depois de 1964 com a República e também a Federação, que eram, segundo a doutrina da Escola Superior de Guerra, objetivos nacionais permanentes. Nenhum General brasileiro ousara antes assumir o Poder desprezando as fontes originárias da soberania popular. Juscelino Kubitschek foi, após Getúlio Vargas, o único e até agora o último a dar ao povo brasileiro o sopro do otimismo generoso e da esperança utópica em dias melhores. >O discurso de Carlos Lacerda de 18 de novembro de 1958 é inteiramente contra Lott, o último General a se candidatar e respeitar o veredicto popular. O General Lott não foi uma ficção, nem seu exemplo foi transitório. Sua personalidade entrou na História do Brasil, ao fazer respeitar a decisão do povo nas umas e ao aceitar sem amargura sua derrota. Assim também não se pode negar que JK, ao tirar a liberdade de acesso ao rádio e à tevê a Carlos Lacerda, cometeu um ato antidemocrático que manchou seu Governo, bem como deu a Lacerda todo o direito de reclamar em quase todos os seus discursos parlamentares contra essa arbitrariedade. No discurso de 25 de novembro de 1958, ele começava lembrando ser o principal dever de um Partido de Oposição evidenciar perante o povo, permanentemente, o contraste entre o que faz o Governo e o que fará o Partido da Oposição quando governar. Debate o substitutivo do projeto sobre o trabalho agrícola e a reforma da previdência social. É unia matéria muito atual, pois mostra como os problemas econômicos e sociais não resolvidos perduram e reaparecem na primeira oportunidade, provocando novos debates, novas tentativas de solução e novos adiamentos. Carlos Lacerda, ao estudá-los e oferecer-lhes soluções como Líder da UDN, via seus projetos rejeitados, e assim não resolvidos. Tal é o caso da reforma agrária e da previdência social que debate nesse discurso. Nele, defendia para a previdência: primeiro, a dignidade de um Ministério autônomo e flexível; segundo, a participação dos contribuintes na direção dos institutos; terceiro, o pagamento da impagável divida da União. Propunha também que a contribuição tríplice fosse dupla: do empregado e do empregador, cabendo ao contribuinte faltoso o custeio dos serviços. Pela tributação dos atuais serviços, procedia-se à integração dos institutos e caixas de todos os serviços de previdência num Ministério autônomo. Seu principal assessor nesse trabalho foi José Augusto Seabra, autorizado e experimentado especialista da matéria; desde julho de 1955, Carlos Lacerda apresentara um projeto sobre o Código de Trabalho, que pendia na Comissão Social da Câmara e nela pereceu, pois a comissão mista de Deputados e Senadores o reteve cerca de três anos e meio, sem aprová-lo ou rejeitá-lo. Por esse depoimento se vê mais um exemplo de como se podem adiar soluções ou simplesmente desconhecê-las - um método que sempre foi usado pela Maioria e que deu lentidão ao processo histórico brasileiro. Lacerda denunciava a falência do sistema autárquico da previdência social e a facciosidade da Maioria, que dificultava o andamento dos projetos de interesse dos trabalhadores, para que estes, dizia Carlos, não soubessem que a UDN trabalhava por eles. Esse discurso é muito bom, pela objetividade do projeto, pela habilidade da defesa, pela argumentação no sentido de criar-se um ministério. Insiste em que, embora incluída a despesa da União com a previdência social no Orçamento geral da República, a União não pagava - como faz até hoje -, o que representava uma inconstitucionalidade e uma imoralidade. Ele visava a dois pontos importantes no seu projeto: a regularização da situação desses milhares de servidores que a União nomeara e mantinha quase como enjeitados da previdência social; e o reajustamento econômico dos benefícios concedidos sempre que se verificasse queda sensível no poder aquisitivo da moeda. Afinal, a fusão dos institutos no Instituto Nacional de Previdência Social foi feita pelo Decreto-Lei 72 de 21 de novembro de 1966, e a criação do Ministério da Previdência e Assuntos Sociais ocorreu pela Lei nº. 636 de 1º de maio de 1974. O discurso de 26 de novembro de 1958 trata das relações da Igreja com o Estado, da influência do positivismo na instituição da República, daquela formação espiritual do povo brasileiro, e novamente revela-se católico, tudo isso dito para auxiliar a recuperação da Igreja do Sagrado Coração, em Fortaleza, Ceará, construída há cerca de duzentos anos e que se constituíra em monumento histórico e artístico. O discurso, longo e histórico, combatendo a abertura de um crédito destinado a um monumento a D. João VI, louva-se, sobretudo nos estudos de Oliveira Lima, cuja obra ele sabe ser apologética, e na de Otávio Tarquinio de Sousa, nosso amigo comum, cuja História dos fundadores do Império48 elogia merecidamente. Trata a seguir da situação de Pernambuco que, graças aos esforços do Governador eleito Cid Sampaio e do Governador interino, à Maioria e à Minoria, voltou à tranqüilidade, evitando-se a tempo quaisquer conseqüências imprevisíveis. Declara que sua oposição ao projeto de monumento a D. João VI visa a manifestar ao Governo, com o voto contrário da Minoria, "a total, absoluta, incondicional repulsa ao descaso, ao desprezo, ao abandono a que está entregue no atual período presidencial o problema fundamental do País, que é a educação de seus filhos." Não concordo com as considerações históricas feitas nesse discurso, nem creio fosse a obra de Otávio Tarquinio de Sousa esclarecedora para o seu objetivo, pois sob o título de História dos fundadores do Império não trata de D. João VI, e os fundadores biografados são apenas D. Pedro I e José Bonifácio, pois Bernardo Pereira de Vasconcelos, Diogo Antônio Feijó, Evaristo da Veiga tiveram atuação posterior à fundação do Império. O discurso de 11 de dezembro de 1958 é sobre o Projeto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, pelo qual muito lutou Carlos Lacerda, dedicando-lhe discursos inteiros e referências em discursos sobre outras matérias. Esta era para ele uma lei básica e ele dizia que os objetivos da educação eram dois: "Um consistia em prolongar no tempo determinada cultura, determinada concepção de civilização, um conjunto de noções, de tradições, um sistema de idéias, de princípios morais, de preconceitos até, se quisermos, mas em todo o caso de conceitos sobre a vida, sobre o mundo, sobre o destino do homem no mundo e na vida"; a outra tarefa consistia "em ir além da tradição recebida, em inovar, em projetar para o vindouro aquilo que apenas se anuncia na realidade do tempo sobre o qual atua a educação". "Assim ela é uma mantenedora do passado, enquanto sustenta determinada escala de conceitos, determinada série de valores, mas é também uma projetadora de futuro, na medida em que se atira para construí-lo através da escola, preparando o caráter, ministrando os conhecimentos e integrando o homem na sociedade que vai ser tal qual ele irá fazê-la." A seguir defende as principais idéias e objetivos que pensa deva a lei ter, tais como a descentralização, a obrigatoriedade do ensino primário, a autonomia universitária, a não separação entre o ensino profissional e o humanístico, a não opção pela criança por um ou outro ensino. Elogia, como de outras vezes, a obra de Anísio Teixeira. O discurso de 18 de dezembro de 1958 trata da crise militar, da Força Aérea Brasileira, censura o aumento dos impostos, e condena a solução russa e chinesa, porque ela significa a morte das mortes, que é a morte da liberdade. Defende a unidade nacional e declara que a Revolução dos Farrapos (1835-1845) não foi separatista, mas fator de unidade. A verdade é que tanto os farrapos como os paulistas de 1932 - que são os exemplos citados - tiveram elementos separatistas, pelo menos de começo. Compõe um belo quadro, com vigor literário, sobre os barqueiros do São Francisco. A 20 de janeiro de 1959, traça harmonioso perfil do homem público, do jurista, da personalidade inteiriça do então Deputado Prado Kelly, depois Ministro do Supremo Tribunal Federal. Nesse mesmo discurso, termina falando na mais grave crise financeira do País naquela hora de aflições sociais - o que, ele mesmo depois reconhece, era um exagero, comparada às crises gravíssimas, financeiras, econômicas, políticas e sociais, que temos assistido desde 1964. Não concorda que se outorgue o título de Conselheiro aos ex-Presidentes da República. No discurso de 3 de janeiro de 1959, critica a atitude do Governo de Salazar, que recusava dar visto para o exílio do General Humberto Delgado, asilado na Embaixada do Brasil e, mais tarde, assassinado pela policia salazarista. Fala no Acordo de Roboré e defende uma política de aproximação comercial, especialmente petrolífera, com a Bolívia. Aos 15 de julho de 1959, seu discurso trata de matéria variada, tais como a emenda parlamentarista, a emenda da outorga do titulo de Conselheiro aos ex-Presidentes da República. A nomeação de Senadores pelo Congresso (o regime de 1964 criou os Senadores biônicos), defende a autonomia do Distrito Federal e reconhece que, se houve um lema, um programa, uma tese, uma bandeira para a campanha de Juscelino Kubitschek, foi a defesa da intangibilidade da Constituição. No discurso de 4 de setembro de 1959, é variadíssima a temática abordada. Carlos Lacerda era um Deputado de grande e, rica versatilidade, capaz de debater os mais variados assuntos, com os maiores parlamentares do Império e da Primeira e Segunda República. Ele fala num liberalismo superado, que deve ser econômico e a grande maioria nisso concorda. O liberalismo econômico é uma fase histórica do capitalismo que nem a liderança norte-americana pode sustentar mais. O liberalismo político nasceu na Grécia, sofreu altos e baixos na evolução histórica e é hoje, diante das Ditaduras do proletariado e dos Generais, uma das grandes aspirações dos povos que delas padecem. Há uma frase muito feliz e atual nesse discurso de 4 de setembro. É quando ele mostra que todo Governo inflacionário é, e quando não é, termina por ser o mais reacionário dos Governos. Também é igualmente forte seu apelo nesse discurso para que "façamos funcionar a democracia tal qual ela existe em nosso País, a fim de que um dia ela possa funcionar tal qual queremos que ela exista". Quero também chamar a atenção para um aparte do Deputado Rondon Pacheco, dizendo que "só dentro da dinâmica da legalidade esta Nação poderá encontrar seu destino histórico", o que merece de Carlos Lacerda um "muito bem". 3. A oratória parlamentar brasileira Já disse e repito que Carlos Lacerda tinha voz e peito para ser, como foi, o maior orador da minha geração. Orador parlamentar, cujos exemplos estão aqui reunidos, e orador público em comício de rua, em conferências, enfim, em todas e quaisquer manifestações públicas. Sua figura física, sua personalidade, sua voz, sua impostação, sua fluência produziam a beleza da construção oratória. O Brasil sempre teve grandes oradores parlamentares, e se descontarmos o maior de todos, o pregador jesuíta Antônio Vieira, a partir da Independência ele se enquadra na tradição dos grandes oradores parlamentares desde Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado (São Paulo, 1773 - Rio de janeiro, 1845), que assombrou os constituintes portugueses nas Cortes Portuguesas de 1822 e depois na nossa Constituinte de 1823. Participou de várias legislaturas da Câmara dos Deputados até 1841 e depois foi Senador até 1845. Era um grande orador e possuía coragem invulgar. A linha continua com Bernardo Pereira de Vasconcelos (Minas Gerais, 1795 - Rio de janeiro, 1850), um dos grandes oradores liberais no Governo de D. Pedro I,49 e conservador a partir de 1837, com a fundação do Partido Conservador. Foi também Senador e Ministro. Num dos maiores debates parlamentares que li, sobre a criação do Conselho de Estado, Bernardo representa as forças conservadoras, enfrentando, sobretudo Paula e Sousa, o grande liberal de São Paulo. Ambos, grandes oradores, disputaram palmo a palmo a questão da criação do Conselho de Estado. 50 Antônio Francisco de Paula e Sousa (São Paulo, 1819 - São Paulo, 1886) foi igualmente orador admirável, que enfrentou, argumentando, a força da inteligência e da capacidade de Bernardo Pereira de Vasconcelos. O Senador Vergueiro, Nicolau Pereira de Campos (Portugal, 1778 - São Paulo, 1859) não tinha a fluência de Antônio Carlos, mas tinha a argumentação, no debate, de um Bernardo. Segue-se, nessa linha de grandes parlamentares, Honório Hermeto Carneiro Leão, Marquês do Paraná (Minas Gerais, 1801 - Rio de janeiro, 1856), que, embora não tivesse riqueza verbal, fluência, nem linguagem de efeitos oratórios, era um orador firme, convicto, que defendia com grande determinação suas idéias conservadoras. Seu discurso de 9 de julho de 1841, por exemplo, em que defende a tese da legalidade do Governo presidido pelo Imperador, na sua fase maior, foi proferido quando Presidente do Conselho de Ministros (1853-1856). Segue-se-lhe seu grande adversário liberal Teófilo Ottoni (Minas Gerais, 1807 - Rio de Janeiro, 1869), orador de grandes recursos na exposição como nos debates, e cito como exemplo sua resposta ao discurso do Marquês do Paraná, a 3 de agosto de 1841, no qual sustenta que o Governo é legal porque é constitucional e não porque à sua testa esteja o Imperador. Foi Teófilo Ottoni o mais importante parlamentar liberal entre 1841 e 1869; vem depois Eusébio de Queirós, Coutinho Matoso Câmara (Angola, 1812 - Rio de janeiro, 1868), um dos grandes chefes conservadores que pronunciou a 16 de julho um discurso no qual o taquígrafo anotou: "De todos os lados do salão partem muitas e repetidas vozes de muito bem. Grande número de Deputados da Maioria sai de seus lugares e vão apresentar ao orador suas cordiais felicitações. Não nos recordamos de ter presenciado na Câmara tão geral manifestação de sentimento." O discurso defendera a tese de que a abolição do tráfico fora obra do Governo brasileiro e não da pressão da esquadra inglesa. Era, assim, um discurso nacionalista. Paulino José Soares de Sousa (Paris, 1807 - Rio de janeiro, 1866) foi um grande orador, sobretudo na defesa da ação conservadora no Governo, e um grande sabedor de problemas internacionais, sobretudo relativos à questão platina,51 e jurista de nomeada, como prova o seu livro Ensaio sobre o direito administrativo.52 Além disso, é de sua autoria a Lei de Interpretação, que deu força aos conservadores e limitou as pretensões liberais. Era amigo, confidente e sempre conselheiro de Bernardo Pereira de Vasconcelos. Começa a aparecer como figura de destaque José Maria da Silva Paranhos (Bahia, 1819 - Rio de janeiro, 1880), e seus discursos são memoráveis, especialmente o que fez a 5 de junho de 1865, que durou oito horas. Nele defende sua atuação no Prata, de cuja missão fora demitido. Em 1870, já elevado a Visconde do Rio Branco, foi um dos grandes oradores no debate sobre a Lei do Ventre Livre (1871).53 Nessa ocasião aparecia também outro grande orador parlamentar, Francisco Sales Torres Homem, Visconde de Inhomirim (Rio de Janeiro, 1812 - Paris, 1876), cuja atuação parlamentar, primeiro como liberal, depois como conservador, teve extraordinário destaque pela beleza literária de seus discursos, tal como acontecia com Francisco Otaviano de Almeida Rosa, jornalista e orador liberal. Outro grande orador do Império foi José Bonifácio de Andrada e Silva, conhecido como José Bonifácio, o Moço (Bordéus, 1827 - São Paulo, 1886).54 Um dos maiores oradores parlamentares e públicos foi Gaspar da Silveira Martins (Rio Grande do Sul, 1835 - Montevidéu, 1901). Com a República aparecem Pedro Moacir, grande orador gaúcho; Rui Barbosa (Bahia, 1849 - Petrópolis, 1923), que lia mais seus discursos do que falava de improviso, e cuja obra inteira vem sendo publicada pela Casa de Rui Barbosa; Epitácio Pessoa, de voz maviosa e firmes olhos verdes, fascinava o auditório; e o chamado "jardim de infância", com David Campista (Rio de janeiro, 1863 - Copenhague, 1911), Carlos Peixoto (Minas Gerais, 1871 - Rio de Janeiro, 1917) e Gastão da Cunha (Minas Gerais, 1863 - Rio de Janeiro, 1927), era composto de uma trinca de notáveis oradores.55 Os dois Mangabeiras, João (Bahia, 1880 - Rio de Janeiro, 1964), liberal socialista, e Otávio (Bahia, 1886 - Rio de janeiro, 1960), liberal contido, marcaram sua presença pela força de sua elegância e fluência. Em 1923, estreava na tribuna da Câmara Francisco Campos, e Gilberto Amado, surpreso ante a força e a substância do orador, exclamou: "Senhores, atenção: está nascendo uma nova estrela." Francisco San Tiago Dantas possuía fluência vasta e natural, mas não tinha arroubos oratórios, e sim a fria capacidade de uma argumentação precisa. Afonso Arinos de Melo Franco distinguiu-se sempre no Parlamento, como Deputado ou Senador, por sua boa voz, boa dicção, fluência, clareza de exposição e, quando queria, era capaz de grandes ímpetos oratórios, como foi o caso do discurso proferido na véspera do suicídio de Getúlio Vargas (24 de agosto de 1954). Oferecemos aqui alguns nomes apenas exemplificativos que ilustraram o Parlamento. Carlos Lacerda possuía, como dissemos no começo, todas as qualidades para ser um dos maiores oradores brasileiros, o maior, repito, da minha geração. Nele, somavam-se às qualidades da pessoa a ciência, a matéria, o estilo e a voz. Estilo fácil e muito natural, capacidade de responder às dúvidas e satisfazer às dificuldades, força de impugnar os argumentos contrários e, afinal, a de persuadir. Na matéria ou na ciência é que ofereceu campo aos seus adversários. Vinha da extrema esquerda - seu pai foi socialista e os dois irmãos comunistas do Partido - e ele passou desse extremo para o centro, a ponto de entrar no circulo de ferro que é o Poder no Brasil, e no qual conviveu com os iguais; isso creio que se fez com o aval de Raul Fernandes, conservador de boa estirpe, inteligente e capaz. A UDN, à qual pertenceu e da qual foi Líder na Câmara dos Deputados, era um Partido de doutrina liberal contida, daquele mesmo liberalismo que se confundia com o conservadorismo do Império, que conviveu com a escravidão, e que Joaquim Nabuco combateu em seu O abolicionismo.56 Houve no Brasil variantes do liberalismo; a do Sul era feita por aqueles que são considerados iguais e são admitidos, como as chamadas Revoluções Mineiro-Paulista de 1842 e dos Farrapos (1835-45), combatidas com respeito pelo adversário, atendendo às suas aspirações, e os castigando suavemente. O mesmo não se deu com o liberalismo nordestino, que foi radical; os movimentos rebeldes da Cabanagem, da Balaiada e da Praia, com idéias intoleráveis aos liberais conservadores e aos conservadores históricos, foram esmagados a ferro e fogo. Nessas lutas é que se demonstra que a cordialidade não foi uma característica do povo brasileiro, pois as classes dominantes ensangüentaram o solo, torturaram as pessoas e desrespeitaram a dignidade do ser humano. Houve, assim, no Brasil "revoluções" e "revoluções"; as feitas pelos iguais, que merecem tratamento especial, e as feitas pelas camadas mais modestas, como foram as revoluções nordestinas acima citadas, que mereceram a mais crua e sangrenta repressão. >A formação filosófica de Carlos Lacerda era modesta; não chegou a ser um dialético no sentido hegeliano, já não digo marxista, e por isso passou com armas e bagagens da extrema esquerda para o centro. Desde sua vitória eleitoral no Rio de janeiro em 1960 até sua cassação em 1968, sua aspiração foi ser Presidente da República, depois de ter combatido todos os ocupantes desse cargo com intenso vigor. Quando organizou a Frente Ampla, com Juscelino Kubitschek e João Goulart, acabou sendo cassado. No seu encontro com Jango, tal como está no seu Depoimento ,57 a impressão que este lhe deixou foi curiosa: a de um homem que não tinha, como o seu mestre, Getúlio, com quem aprendera muito truque político, a vontade do Poder - digamos assim - no sentido nietzscheano. A anistia do Presidente João Figueiredo só veio em 1979, deixando de lado os três mais famosos proscritos do regime: Juscelino Kubitschek, João Goulart e Carlos Lacerda, presidenciável até 1968, embora desde 8 de outubro de 1965 ele tivesse retirado sua candidatura. A retirada da candidatura e a cassação causaram-lhe uma tristeza e melancolia irreparáveis. Carlos Lacerda enquadra-se bem na tradição dos grandes oradores brasileiros. Para mim ele é comparável a Joaquim Gonçalves Ledo e Evaristo da Veiga, ambos os jornalistas e parlamentares, extraordinários oradores, sobretudo o segundo, dominado pela indignação moral, que a UDN e Lacerda possuíam e servia bem aos ideais das classes média e média alta. Ambos morreram de paixão política contrariada. "Evaristo morreu vítima de uma paixão generosa", escreveu Otávio Tarquínio de Sousa;58 Ledo morreu alheio a tudo, desinteressado, doente, esquecido, sendo a notícia de sua morte dada em duas linhas num único jornal.59 A posteridade não tem culpa das injustiças dos contemporâneos. Lacerda acabou seus dias triste, sem perspectiva pública, que era o único sentido de sua vida. Uma paixão contida por formidáveis forças de repressão desconhecidas em toda a História do Brasil e contrárias à tradição brasileira. Carlos Lacerda manteve o padrão de prosa retórica literária e historicamente eficaz. Ele dominava todos os recursos da retórica e soube articular os melhores traços dos estilos Primitivos com as novas combinações, sem nenhuma marca de esforço proposital. Ele possuía enorme variedade de tons e diversidade de arranjo nos tópicos, o que o tomava complexo sobretudo, nos seus discursos parlamentares, ainda que sempre preservasse o caráter da unidade orgânica.
Tübingen, 1922. 2 Lecciones sobre Ia filosofia de Ia historia universal, Buenos Aires, 1946, P. 152. 3 Rio de janeiro, Nova Fronteira, 1976, 5ª ed., p. 163. Episódio também referido anteriormente na série de entrevistas concedidas a Manchete , 15 de abril de 1967, publicadas sob o título "Lacerda, rosas e pedras no meu caminho". Primeira entrevista, 15 de abril de 1967, p. 21. 4 Entrevista a Manchete de 15 de abril de 1967. 5 Entrevista a Manchete , p. 28. 6 A casa do meu avô , ob. cit. na nota 3, pp. 22-25. 7 O abolicionismo , Londres, 1883. 8 Ob. cit., pp. 10, 97, 161. 9 Jornal do Brasil , 10 e 17 de junho de 1962 10 Civilização Brasileira, Rio de janeiro, 1966. 11 Jacob Burckhardt, Reflexiones sobre Ia historia del mundo , Buenos Aires, El Ateneo, 1944, PP. 198, 199. 12 Nova Fronteira, 1977, 1ª ed., p. 63. 13 J. Burckhardt, ob. cit., p. 253. 14 Ver José Honório Rodrigues, Teoria da história do Brasil , Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1978, p. 456. 15 Mil dias. John Fitzgerald Kennedy na Casa Branca , Trad. de Waltensir Dutra, Civilização Brasileira, Rio de janeiro, 1966, 2v. 16 En los albores de la paz , 1ª ed. espanhola, Barcelona, 1946, p. 165. 17 Copenhagen, 1938. 18 Preparado por Aspásia Camargo e Walder de Góes (na base de entrevistas gravadas). Nova Fronteira, Rio de janeiro, 198 1, p. 445. 19 Lourenço Dantas Mota, coordenador. História vivida (I) O Estado de São Paulo , São Paulo, 1981, p. 222. 20 Ob. cit., 222-223. 21 Depoimento , ob. cit., 242. 22 História vivida (II). Coordenador, Lourenço Dantas. O Estado de São Paulo , 1981, p. 221-222. 23 1ª ed., 1963; 4ª ed., Civilização Brasileira, 1970, pp. 2 e 3 do prefácio da 4ª edição. 24 Civilização Brasileira, 1965. 25 Diário do Congresso Nacional , 6 de abril de 1957, pp. 1807-1812. 26 Diário do Congresso Nacional , 6 de abril de 1957, p. 1807; O Globo, 14-4-57. 27 Diário do Congresso , 3, 5 e 6 de abril de 1957, pp. 1655, 1765-67, e 1807-1815. 28 Diário do Congresso Nacional , 27 de abril de -1957. 29 Diário do Congresso Nacional , 10 de maio de 1957, pp. 2709-2761, ocupando a defesa de Carlos Lacerda as pp. 2732-2761. 30 Diário do Congresso Nacional , 16 de maio de 1957, suplemento, pp. 6-270, e ainda uma declaração de voto separado do Deputado Jonas Baiense, id. id., 23-26. 31 Diário do Congresso Nacional , 4 de abril de 1957, p. 491. 32 Diário do Congresso Nacional , 24 de abril de 1957, p. 651 e s. 33 Diário do Congresso Nacional , 25 de abril de 1957, p. 670 e s. 34 Diário do Congresso Nacional , 3 de maio de 1957, p. 2509 e s. 35 Diário do Congresso Nacional , 7 de maio de 1957, p. 2609 e s. 36 Diário do Congresso Nacional , 7 de maio de 1957, p. 2602 e s. 37 Diário do Congresso Nacional , 9 de maio de 1957, p. 2634. 38 Diário do Congresso Nacional , 15 de maio de 1957, p. 2924 e s. 39ª edição, Civilização Brasileira, 1965. 40 Correio da Manhã , 18 de outubro de 1955, e Diário de Notícias , 2 de novembro do mesmo ano. 41 Diário de Notícias , 2 de novembro de 1955. 42 Diário de Notícias , 2 de novembro de 1955. 43 Correio da Manhã , 13 de novembro de 1964. 44 Rio de Janeiro, 29-30 de outubro de 1955, 23 páginas. 45 A corte Suprema e o direito constitucional americano , Editora Forense, 1958, e pela mesma autora, História do Supremo Tribunal Federal (1891-1910), 2 v. Civilização Brasileira, 1965-1968. Vide também, da mesma autora, Direito e política , estudo sobre "A Suprema Corte americana e o Supremo Tribunal Federal" , Porto Alegre, Ajuris, pp. 180-204. 46 Vide Four essays on liberty . Londres, 1976; e sobretudo The hedgehog and the fox , s.d. 47 Londres. 1883, p. 196. 48 Livraria José Olympio, Rio de janeiro, 1957-1958. 10 v. 49 Otávio Tarquínio de Sousa, História dos fundadores do Império do Brasil. Volume V. Bernardo Pereira de Vasconcelos , 2ª ed., refundida. Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1957. 50 Vide Atas do Conselho de Estado , preparadas por José Honório Rodrigues, 12 v. de textos, um de índice, e o estudo pelo mesmo autor O Conselho de Estado. O quinto poder? , Brasília, Senado Federal, 1978. 51 Vida de José Antônio Soares de Sousa, A Vida do Visconde do Uruguai , Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1944. 52 Rio de Janeiro, 1862, e Os Estudos práticos sobre a administração das Prot4ncias do Brasil , Rio de janeiro, Garnier, 1865, 2 v. 53 Vide José Maria da Silva Paranhos, Visconde do Rio Branco , Rio de janeiro, 1884, e Lídia Besouchet, José Maria da Silva Paranhos, Visconde do Rio Branco , Rio de Janeiro, 1945. 54 Discursos parlamentares pelo Conselheiro José Bonifácio de Andrada e Silva, Rio de Janeiro, 1880. 55 Vide sobre os três, Antônio Gontijo de Carvalho, Ensaios biográficos, São Paulo, 1951. 56 Londres, 1883. 57 Ob. cit., 388. 58 Otávio Tarquímio de Sousa, Evaristo da Veiga , José Olympio, 1957, p. 186. 59 Vide José Honório Rodrigues, Independência: revolução e contra-revolução. A liderança nacional , Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1976, pp. 52-64. JOSÉ HONÓRIO RODRIGUES Fevereiro de 1982
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