ACL - FUNDO DE ARQUIVO CARLOS LACERDA
 / Sumário e Nota Explicativa de "Rosas e Pedras de Meu Caminho"
"Rosas e Pedras de Meu Caminho"
por Carlos Lacerda

NOTA EXPLICATIVA
Esta autobiografia que não é autobiografia e nem memórias, na opinião reiterada do Autor, foi transcrita em boa parte do que saiu publicado e republicado na Revista Manchete, em 1967 e 1977; outra parte, e não pequena, é totalmente inédita. Ambas destinavam-se à revista, mas o próprio Autor resolveu reservar alguns capítulos para o livro que acabou não escrevendo e que agora vem a lume completo.

Todo o texto deste livro foi, portanto, copiado dos originais que se encontram no ACL - Arquivo Carlos Lacerda, localizado na Biblioteca da Universidade Darcy Ribeiro que retém massa enorme de documentos o que o coloca entre os mais ricos do Brasil no que concerne à recente história brasileira. A intensa troca de cartas com escritores brasileiros e estrangeiros, para não ficarmos apenas na enorme correspondência política, tem tal dimensão que dificilmente será suplantado por qualquer outro arquivo em quantidade e na qualidade.

O fato de Lacerda ter sido "a personagem civil que possivelmente mais influenciou com eficácia nos rumos da história brasileira entre 1945 a 1968" (José Honório Rodrigues, "Introdução aos Discursos Parlamentares", página 33) explica a riqueza da documentação que a família transferiu à UnB. O que mais se sabe de Lacerda, porém - aplaudindo-o ou condenando-o - é a sua efetiva e ativa participação nos principais movimentos políticos acontecidos no Brasil a partir de 1935. No seu notório rol de façanhas - terçando apenas a pena e a palavra - registram-se as deposições de cinco presidentes da República: Getúlio Vargas (duas vezes), Carlos Luz, Café Filho, Jânio Quadros e João Goulart. Cinco se não quisermos incluir a queda da ditadura portuguesa. Embora negada seguidamente por Lacerda, o fato de ter prefaciado o livro do General Spínola, "O Portugal e o Futuro". Muita gente atribuiu a ele, além do prefácio e da sua editoria, a própria autoria do livro que abriu caminho para a derrota da ditadura salazarista. Contrastando por outro lado com essa imagem de demolidor, o arquivo oferece uma documentação compacta da sua operosa e proba administração do Estado da Guanabara.

A sua intensa e controvertida atuação política, se outro valor não teve em vida, deu-lhe a oportunidade de legar aos pósteros um enorme material escrito para consideração dos historiadores. E não apenas discursos e não apenas libelos mas páginas literárias de excelente lavor entre as quais esta autobiografia incompleta. O cuidado de Lacerda em guardar documentos revela, por outro lado, o homem preocupado com a sua biografia e precavido para suportar o impiedoso e o enfrentamento político diário, preservando algumas páginas por julgar desinteressante ou inconveniente publicá-las imediatamente.

Amado por uns e detestados por outros (alguns afirmam "odiado por muitos"), Lacerda se ressentia disto. Carlos Drummond de Andrade consola-o em amistosa carta de 25.12.75: "ninguém é indiferente ao "charmeur" irresistível que você é, e mesmo os que dizem detestá-lo, no fundo gostam de você. Gostam pelo avesso mas gostam", disse-lhe o poeta. A verdade é que o que menos conhecemos de Carlos Lacerda é a sua obra literária, produzida antes e depois da cassação de seus direitos políticos. Falamos mais do político por ser impossível falar de Lacerda sem falar em política. Político foi ele em tempo integral por toda a sua vida. Sobre o escritor continua pesando o patrulhamento ideológico destinado ao político. Unanimidade nessa área existe apenas para consagrar a sua famosa oratória. "Orador de pompas asiáticas" como enfatizou Romero Neto no prefácio do excelente "Sangue e Paixão" com o qual Lacerda inaugurou na língua portuguesa o romance-verdade; ou o "maior tribuno que passou pela Câmara dos Deputados" na opinião de Paulo Pinheiro Chagas ("Esse velho vento da Aventura", página 330).

Do "Quilombo de Manuel Congo" - escrito em 1935 e reeditado em 1998 - a "A Casa de Meu Avô”, Carlos Lacerda escreveu mais de 30 livros, sendo que o último elevado ao patamar de obra prima. Não apenas por Carlos Drummond de Andrade, como diremos adiante, mas pela crítica literária conceituada em geral.

Dos publicados em vida, raros livros ficaram na primeira edição.

Esperamos que surjam outros biógrafos além de John W. Foster Dulles para ajudar a desencantar o mistério em que ainda envolve a Carlos Lacerda, e mais do que ele, a ainda mal contada história recente do Brasil.

Como disse o jornalista Luiz Gutemberg em artigo publicado no Jornal de Brasília de 08.09.99: "Um dia, dessa fantástica aventura biográfica de Carlos Lacerda, um historiador sem preconceito vai revelar, com isenção e talvez paixão, uma personagem chave para que compreendam os homens que lideraram contemporaneamente o Brasil. Por ora, todos os traços de Lacerda constituem apenas um enigma. Quem era efetivamente ele?".

Ao se organizar o Fundo do Arquivo Carlos Lacerda na Biblioteca da Universidade de Brasília foram encontrados os originais de “Rosas e pedras do meu caminho” - do que foi publicado e do não publicado pela Revista Manchete. Algumas observações do Autor foram feitas sobre as páginas daquela publicação; outras às margens dos originais datilógrafos esclarecem o motivo da não publicação de alguns capítulos pela revista.

Alguns fragmentos, poucos, mostraram-se em desacordo com o que foi publicado na revista, mas a grande surpresa foi a descoberta de tantas páginas inéditas. A explicação surgiu ao se examinarem os originais. Alguns cortes teriam sido motivados por problemas de paginação da revista, outros por ter o Autor remetido a complementação do capítulo depois de fechada a edição semanal mas, a maioria porque destinada ao livro.

No capítulo em que descreve o navio Rio Branco, encontra-se a seguinte observação à margem: "Todo esse trecho fica para o livro e não para a Manchete". Noutra altura de outro capítulo: "Atenção:- há que tirar e acrescentar coisas neste capítulo, do qual vários trechos ficam só para o livro" ou "Este trecho fica para o livro. Na revisão, não". Para o capítulo 2 da revista encontrou-se essa nota, um recado manuscrito datado de 30.03.67, dirigido a Ruth e M. Teresa: "Creio que esta é a continuação do capítulo 2. Seria bom se conseguíssemos terminá-lo antes do almoço, para mandá-lo ainda hoje. É possível que saia grande demais, não faz mal, fica para o livro; eu cortarei na revisão para caber na revista."

Os grandes cortes, às vezes contendo todo um capítulo, foram executados por ordem de quem os queria apenas "para o livro". Esta poderia ser a única justificativa para se publicarem as “As Rosas e Pedras de Meu Caminho” em livro. Mas existem outras, como por exemplo, a excelência do texto e a importância do depoimento histórico do jornalista e político que dominou a cena brasileira por largo tempo. Bastaria, porém, a vontade reiteradamente manifestada pelo Autor para incentivar o editor a publicá-las. E por terem ficado inéditos por tanto tempo tantos trechos, outro motivo surgiu para retirá-los do ostracismo e traze-los à luz para proveito dos leitores.

Como curiosidade, para destacar outra faceta do escritor Lacerda, trazemos em fac-símile uma página da revista, acompanhando o capítulo II com inúmeras correções e acréscimos da lavra do Autor. As suas palavras manuscritas vão reproduzidas em rodapé para facilitar o trabalho do leitor na sua decifração. O mesmo procedimento se poderia fazer em outros capítulos, bastando este como amostragem para exibir a compulsão do Autor na melhoria do texto e rigor na fidelidade dos fatos narrados.

Entre os capítulos completamente inéditos destacamos aqueles em Carlos Lacerda se refere à família de seus avós maternos e paternos, com a fixação de alguns perfis magníficos das mulheres fortes que antecederam aos seus pais e, como não podia deixar de ser com destaque ao avô Ministro Sebastião Lacerda, “uma declarada vocação para a viuvez”. Foram certamente esses capítulos que coadjuvaram Carlos Lacerda a escrever “A Casa de Meu Avô”, saudado por Carlos Drummond de Andrade como um dos melhores livros de sua geração. Disse o poeta em carta de 26.12.76 que se encontra no ACL Arquivo Carlos Lacerda:

"Ainda que você não tivesse outros títulos - e tem muitos - bastaria este, o de autor dessa obra, para garantir-lhe esse lugar que importa mais do que os lugares convencionalmente tidos como importantes".

Aliás, o resgate desses capítulos inéditos incorporados a “Rosas e pedras do meu caminho” constitui um bom exemplo do bom serviço que vem prestando o esplêndido Arquivo Organizado pela Universidade de Brasília com apoio da Fundamar - Fundação 18 de Março. Está ali um repositório imenso à disposição dos historiadores, um manancial rico para não apenas o conhecimento do jornalista, tribuno, administrador público, político influente e escritor respeitável, mas de toda história recente do país.

Para preparar esta 1a edição das "Rosas e Pedras do Meu Caminho" foi necessário cotejar o que saiu publicado na revista com as correções e acréscimos feitos pelo Autor; comparar o publicado e o que ficou sem publicação e decidir quais os trechos não publicados que poderiam vir para o livro sem redundância. Esta tarefa ocupou um grupo de pessoas por mais de 6 meses em trabalho diuturno e aqui se impõe o nosso agradecimento a todos que colaboraram com a Fundação 18 de Março nesse trabalho. Ao professor Renato de Sousa que despertou o interesse da UnB e da Fundamar para a necessidade de se organizar o Arquivo doado pela família de Lacerda e colocá-lo à disposição dos historiadores. À Maria Lúcia Prado Costa que cuidou das correções do material ainda em estado bruto na sua primeira versão digitada. Agradecimentos finais cabem aos estagiários de Homero Costa - Advogados, onde labutam voluntários livres ou “compulsórios” que ficaram à disposição da Fundação 18 de Março durante largo tempo. Por não podermos enumerar todos eles, registramos os nomes de Eduardo Casasanta Marini e Bernadete Blaëz para representá-los, dupla que sofreu no final as reiteradas e cansativas revisões dos textos, obrigados a conferir página por página, letra por letra do que foi publicado pela revista e o que constava nos originais corrigidos pelo Autor, ou nas páginas datilografadas e acrescidas em manuscritos nem sempre fáceis de serem decifrados. Enfim foi uma tarefa de muitos e não apenas dos mencionados.

A todos o nosso agradecimento.

Túlio Vieira da Costa, Conselheiro Curador da
Fundação 18 de Março e do Fundo de Arquivo Carlos Lacerda da UnB

BH, 10.09.2000


S U M Á R I O

1 CAPÍTULO I
Maurício Lacerda um dos raros políticos que conheci interessado em ler mais do que os jornais do dia. Historiadores americanos achavam que um importante papel caberia ao Brasil no século XX. O nacionalismo é uma força que vai modificar o Brasil, disse um deles. A alegação de que Getúlio seria simpatizante de Hitler não tem fundamento, diz outro. Até 1945 o Brasil não tinha uma política exterior definida.

2 CAPÍTULO II
Nascimento no meio de riscos políticos. Pinheiro Machado, Hermes e Nair de Tefé. Chapot Prevost. Memórias não, é cedo. Apenas matéria prima para o historiador. Eu sou a matéria do meu livro. Praia do Flamengo. Minha profissão é viver. Atração e repulsa pela política. Bernanos: falar quando os outros se calam. Passei grande parte da minha vida guardando e perdendo papéis, mais carregando livros do que lendo.

3 CAPÍTULO III*
Minhas origens luso-espanholas. Pereiras, Forjazes e Lacerdas. "Por este preço já me basta um bastardo!". Um relógio que pertenceu à Marquesa de Santos. Caça às baleias. Vassouras ocupada pelo banditismo. Meu avô. O menos político dos Ministros de Prudente de Morais. Abandonou a vida pública para cuidar de 3 filhos e cultivar a viuvez aos 34 anos. Vassouras ocupada pelo banditismo. Ministro do Supremo: "Fiz justiça lá dentro e cá fora". Orgulhoso produtor de 37 diferentes qualidades de manga.

4 CAPÍTULO IV
A História oficial alimentou o mito de que a Abolição desorganizou a agricultura brasileira. O espírito de rotina e muitos preconceitos é que arruinaram a lavoura. Os pouco historiadores brasileiros que foram às fontes. A baronesa de Pati, esposa de Francisco Peixoto de Lacerda Werneck relata a real crise da lavoura. Maria Emília, esposa de João Lacerda é uma daquelas mulheres fortes, enérgicas que, diretamente ou por ouvir contar, povoaram a minha infância. Sempre estava só e tinha que povoar meu mundo. Ainda o meu Avô Lacerda no Supremo e na Chácara como produtor de mangas. Minha Avó Pequetita, Maria da Glória de Paiva Lacerda não destoava daquelas outras mulheres enérgicas. Vovó Delmirinha.

5 CAPÍTULO V *
Biblioteca de meu avô. Camilo Castelo Branco, Bocaccio, Byron, Dante, William James, Fagundes Varela, Gonçalves Dias, Domingos Olympio, Júlio César, Ariosto, Plutarco, Zola e outros amigos de infância. Meus filhos se habituaram a ler de tudo. Livros que se foram. Não me descurei do pesar de me desfazer desses livros, muitos nem lidos. Gosto de ter tudo mas preservo o direito de não ter nada. Coleciono inimigos pronto a me livrar deles e torná-los amigos. Para mim inteligência é um dom que importa numa grave responsabilidade. Este roteiro de uma consciência.

6 CAPÍTULO VI *
Dicionário de Botânica. Meus bisavós Caminhoá e Yayá. Tia Cota. Os Werneck. Minha Avó Mirinha e as histórias sobre o casamento de Capistrano de Abreu e de Joaquim Nabuco. O primeiro Werneck. Meus outros avós. Meu bisavô Paiva. Minha mãe. Meu avô careca. Gostaria de falar mais de minha gente do que de mim. O que em vão procurei na ilha estava nos olhos de Yayá. Com meu pai só tomei intimidade mais tarde. Cada pessoa, como cada pássaro, tem um território limitado, embora pareça que não, somente porque pode expandir-se, voar. Ai dos que ultrapassam o território que lhes foi demarcado! O governo Bernardes. Novos rumos políticos.

7 CAPÍTULO VII
Hirgué e Beidas, as mesmas chantagens em tempo diferentes. Letícia desempenhou sempre a parte silenciosa, contida, simples e mais terrível das nossas provações. Agressões. A visão dos cegos e mecânica da íris. Coice de Mula. Autoridade não tem mãe. O Corvo. O que me cabe fazer aqui embaixo, faço. Não sou juiz, sou parte ou sou testemunha. Com a encíclica o Papa perde "O Globo" mas ganha o mundo. O início do rádio.

8 CAPÍTULO VIII
Preocupa-me passar o tempo e passar a oportunidade de ser Presidente da República para a qual me preparei. Minha vida tem sido um constante nadar contra a corrente. Minha mãe deu-me a lição do sacrifício e da bravura na luta pela sobrevivência da família. Meu pai Maurício Lacerda, personalidade fascinante que deixou a injusta reputação de homem que só sabia destruir. Trindade maldita na vida política: vaidade, inveja e bajulação. Minha Babá Clara Fontes, eu era coisa sua. Caminhoá, meu bisavô. Eta! mulato batuta. A história do mundo pode ser lida na beira dos barrancos, nas camadas da terra. A erosão deixa-me sempre uma impressão de começo de decrepitude deste mundo.

9 CAPÍTULO IX
Rábula criminalista de sucesso. Já não era estudante e nunca fui bacharel. Se é para advogar causas grandes porque não advogar grandes causas. Minha vaidade só se satisfaz com a verdade. A importância do bacharel. Sobral Pinto, um exemplo. O segredo de fazer muita coisa e aprender a técnica mais necessária para o homem: a de pensar. Gosto de saber o essencial de tudo. Não sei, até hoje, extrair uma raiz quadrada e a cúbica, então, uma ficção científica. Doce exílio em Uberlândia.

10 CAPÍTULO X
Escrevo de ouvido. Camões não escreveu os "Lusíadas" para desemburrar meninos mas para motivar um povo. Da história, não me interessam datas e batalhas. Não gosto de línguas mortas. Do latim só tirei proveito por conhecer o professor Cândido Jucá, filho. Cacófatos famosos. Os que morrem novos sempre me dão pena. O mistério da morte não é para mim figura de retórica. A melhor razão para viver é a vida. "Não conto, não sei, não confesso".

11 CAPÍTULO XI
Forte de Copacabana e sua vocação para a paz. 5 de Julho. Os 18 do Forte que eram 12. Mais de mil soldados atiraram. Os nossos caíram na areia, mortos ou feridos. Movimento que mudou o rumo do Brasil. Meu pai e meus tios Paulo e Fernando. Invasão domiciliar. A turma do muro garantiu a vitória do Governo. Meu querido provocador e vizinho, João Daudt Filho, o introdutor da publicidade de remédio no Brasil. Bernardes tinha a certeza de que encarnava a lei, a ponto de prender, ser preso, fazer sofrer e sofrer. Ilha da Trindade e Clevelândia. Presidente batuta. Coluna Prestes. Fundação da UDN. Luiz Camilo de Oliveira Neto um desses intelectuais possuídos de paixão cívica fazem tudo que os intelectuais deixam de fazer e depois são desprezados por eles.

12 CAPÍTULO XII
Washington Luiz. Os erros dos governos brasileiros são sempre os mesmos. O Brasil ainda é atrasado demais para pretender ser uma democracia adiantada, mas é um país adiantado demais para se conformar em viver sob tutela. Todos os governos recebem as mesmas críticas. Ministério da Educação, um desprezado. Abraham Lincoln. O país não se desenvolve porque não o deixam desenvolver-se com liberdade. O partido comunista fez de Prestes um apóstolo, não um líder. O povo precisa de líderes, não de mentores. O dia em que Lincoln morreu.

13 CAPÍTULO XIII
A gente passa a metade da vida se preparando para a outra metade. É demais. Conceito antiquado e inadequado do ensino que reflete numa concepção anacrônica do modo de governar o Brasil. Não tenho boa memória. Internatos, escola do conformismo. O que falta no internato é tudo que se tem cá fora. Quando professores frustrados viram bedéis. Intriga, adulação e a hipocrisia como virtudes para o convívio social. Fuga do colégio. Adolescência, essa maravilhosa idade em que as pessoas sofrem a infelicidade de não saberem o que são. A vida deve ser vivida em comunidade aberta.

14 CAPÍTULO XIV
Começara o expurgo dos judeus nas instituições de influência alemã no Brasil. O Estado Novo de 1937 e os Judeus. O que lia que estava acontecendo na Europa, acontecia na minha frente. Lasar Segall. Livraria Kosmos, onde todos os anos me endivido. Os heróis não tem pátria, nem os carrascos. O tráfico infame de vistos em passaporte. Um senhor médico chamado Fábio Carneiro de Mendonça. Osvaldo Aranha e sua família. Outra família belicosa: Soares Sampaio. Refinarias de mão beijada. Agressões físicas em público. Paulo Bittencourt: um gentleman. Meus princípios, meus sonhos, minhas idéias.

15 CAPÍTULO XV
Iniciação política, matando aulas. Otávio Brandão, Laura Fonseca, Minervino Oliveira, marmorista de escol. "Roubaram a segunda parte do meu discurso". Raul Leitão da Cunha. Jorge de Lima. Atração pelo além mar. Morte de João Pessoa. Sobral Pinto. Juarez Távora. Enterro de João Pessoa. Um morto despertou os vivos. Idade de distribuir panfletos. Queda de Washington Luiz. Respeito aos vencidos. República Nova. Todo mundo prendia. Atração do além mar. A costumeira exibição de ex governistas. Começou a corrida aos cargos. Elói Dutra, vice-governador exilado, vítima de uma mesquinharia.

16 CAPÍTULO XVI
Expulso do Partido Comunista, sem nunca ter sido filiado. A quem importa a informação exata? Entre os comunistas havia luta feroz entre os grupos pela posse do poder de decisão, competições e rivalidades que chegavam às maiores mesquinharias; mas havia também exemplos de dedicação, de sacrifício, de desprendimento e de heroísmo de que são capazes os comunistas. Leitura do manifesto pró Prestes. A história encomendada do partido comunista que me levou ao inferno. Amigos voltaram-me a cara. Revolucionários sem riscos. Ministro Gustavo Capanema. Frente Ampla e a atual cegueira dos políticos brasileiros. O manifesto de Prestes tinha até um apelo aos índios para participarem da insurreição. O Estado Novo nada ficou a dever, em métodos ao nazismo. Astrogildo Pereira, idealista e vítima.

17 CAPÍTULO XVII
Ainda as conseqüências da história encomendada do partido comunista brasileiro. Surpresas e desgostos. A quanto pode levar o fanatismo. Idade de escrever e não de distribuir boletins subversivos. Perseguido pela política e desprezado pelos amigos por 20 anos. Marx, filósofo dos que não conhecem filosofia. Resgatado por um contrabandista de café. Um desabafo contido contra o New York Times. Astrogildo Pereira e a oportunidade de uma boa ação.

18 CAPÍTULO XVIII
Ameaça de estado de sítio. Ação subversiva do executivo federal. Hoje se sabe da participação militar americana no golpe de 64. O segredo do bom governo é fazer de conta que tudo que é do governo é seu, desde que sempre lembrado de que nada do governo lhe pertence. As visitas às obras sem o mau caráter das incertas e as pompas das preparadas me ensinaram muito. A morte em certas circunstâncias tem que ser encarada como acidente de trabalho. Cel. Boaventura. Dois que cometeram erros mas deram exemplo de grandeza: Marechal Eurico Gaspar Dutra e Juscelino Kubistchek de Oliveira.

19 CAPÍTULO XIX
Um dia vou contar a minha loucura em pretender criar e plantar neste País. Júlio Mesquita, uma pessoa com direito de me dizer o que fazer ou deixar de fazer, disse-me: "só lhe peço que não coloque a sua candidatura acima da revolução." Tentei demonstrar o meu temor contra os militares despreparados. Derrota da revolução no próprio dia de sua vitória. É mais fácil acreditar na vida eterna do que nas utopias de perfeição na terra. Mosteiro, um lugar onde se reza para salvação dos outros. Gustavo Corção, Amoroso Lima, Sobral Pinto, Dom Lourenço, Bernanos e muitos outros que me levaram de volta à Igreja. Angústia não é um sentimento reacionário, atinge ricos e pobres. Minha atual perplexidade. Encíclicas papais.

20 CAPÍTULO XX
Quiromancia e outros mistérios. Por enquanto contentemo-nos em ser intuitivos pelo menos tanto quanto lógicos. A lógica sem a intuição não é grande coisa e não nos leva sequer à esquina quanto mais a descobrir a América. Mas para que servem duas terças parte de nosso cérebro? Teoria dos impulsos de Jung. Uma perfeição absoluta que comanda tudo isto. À imagem e à semelhança de Deus, o homem recebe muitos poderes, a questão é saber quais. Uma experiência inesquecível de sonoterapia. Uma sensação transumana. É mais difícil acreditar no mero acaso do que na fatalidade da mitologia grega. Por que não na Providência Divina dos cristãos?

21 CAPÍTULO XXI
Pareceu-me tão bela, contra o sol, sorrindo. Mas era também triste e solitária, como eu. Já na prisão vi o que nunca olhos de gente podem esquecer. Promiscuidade e tortura. Aprendi português e inglês na prisão. Para ser preso é preciso ser alguém. Horror à exibição de sentimentos íntimos. Vida boêmia em São Paulo, a dois, a quatro, a quarenta. Isolamento a que me impôs o partido comunista. Adaptação do Sítio de Pica Pau Amarelo para o rádio. Vida nova e briga da qual me envergonho com Manuel Bandeira. Filhos. Ainda Mário de Andrade e o lado cabaret da vida comunista. Sem perceber estava preparado para a conversão.

22 CAPÍTULO XXII
Vereador mais votado mas insubmisso. Voz de prisão pelo rádio. Miranda vítima do comunismo. Abrigado pela conservadora família mineira, descendentes do Presidente de Minas Gerais, João Pinheiro. Paulo Pinheiro, positivista e muito positivo. Israel Pinheiro, uma anta, um adversário e um amigo. Adalberto Pinheiro, alma ingênua num temperamento vulcânico. "Um dia você vai ver que isso está errado".

23 CAPÍTULO XXIII
Quem organizou a opinião pública para o Brasil entrar na guerra foi o partido comunista. DIP mandou os jornais abrirem fogo contra os ingleses. Dizem que Costa Rego perguntou: "E se ganharmos a guerra?" Tentativas frustradas para ingressar na Força Expedicionária Brasileira. Diretor da Agência Meridional e secretário de O Jornal. Vi de perto, pela primeira e última vez, o Presidente Getúlio Vargas. Meus correspondentes de guerra: Rubem Braga, Joel, Squeff e Barreto Filho. "Imagine a guerra! Para muitos de nós, não foi simples torcida. Foi um abalo profundo" (Mário de Andrade). Impedido de seguir com a FEB resolvi entrar na Marinha. O navio "Rio Branco", seu comandante e a disciplina de bordo. "Excesso de falta de férias". Em 1914 o Brasil era a 5a marinha do mundo, quem acreditaria?

24 CAPÍTULO XXIV *
A vida no "Rio Branco". Contato com a tripulação. Gíria. Disciplina, Música e Biblioteca. Náufragos alemães. Cabaças para afugentar tubarões. Recife e Fortaleza. Visitar Gilberto Freyre era crime. Aderbal e Abelardo Jurema. Bases americanas no norte e nordeste. O primeiro repórter sul americano a permanecer em base aeronaval americana e a voar em blimp (helicóptero) e outros tipos de aviões. Soldados americanos votando a distância e em plena guerra. Senador Butler e as três censuras. O que mais aprendo é conhecer pessoas. Minha baixa prioridade livrou-me da morte. Tipos brasileiros e americanos inesquecíveis

25 CAPÍTILO XXV *
Ainda no "Rio Branco" quebra gelo que virou navio de guerra. Tripulação variada. Discussões filosóficas. A fé precisa de alimento. A crença do materialista também não é fé? Materialismo, fé com o sinal trocado. A guerra chegava ao fim. 1o Congresso dos Escritores Brasileiros em São Paulo. O Manifesto dos Mineiros. A entrevista com José Américo que deu início à derrubada da ditadura. "Quem disse que você é jornalista? Você é orador, homem! Você não escreve, discursa". Batendo na porta da imprensa para que esta lutasse pela sua liberdade. Luiz Camilo de Oliveira Neto, um nome que a história deveria registrar como herói da democracia.

26 CAPÍTULO XXVI
Getúlio quase vota moção contra o seu governo. Vargas atrasou a democracia mas adiantou o Brasil socialmente. Um político realmente excepcional. Vargas descobrira, com a inspiração de um pioneiro, que o povo é o que há de mais importante numa democracia. Expressão de um recuo político e o instrumento de um avanço social. O velho estadista nada aprendeu e nada esqueceu. Uma frente ampla então foi tentada. Em 50 o povo votou certo em candidato errado. João Goulart, Ministro do Trabalho me propõe redigir novo estatuto para o PTB. Um pequeno jornal derruba um governo. Walter Moreira Salles um conhecido representante das chamadas forças ocultas. Da CPI da Última Hora ao assassinato na rua Toneleros. Juscelino, um misto de habilidade e audácia.

27 CAPÍTULO XXVII
A solidão de Vargas. A chamada República do Galeão. Mar de lama. Versão de assassinato de Vargas pela Embaixada Americana. O sentido da Carta Testamento é válido e atual. Desenvolvimento pelo qual lutou Getúlio em seus melhores dias, como Juscelino e "nós também". Trabalhei para renúncia. O fraco Governo Café Filho. As chamadas forças ocultas estão bem à vista. O único governante que não imitou Getúlio Vargas nos defeitos e seguiu-o nas qualidades foi Kubitscheck. Revelo um encontro com Dona Darcy Vargas no Palácio do Catete. Quem foi assassinado em agosto de 54 foi Vaz e não Getúlio.

28 CAPÍTULO XXVIII
Este é um depoimento que conto muito pouco do que sei, vi e vivi. Juscelino Kubitschek, com um dinamismo extraordinário, impunha sua candidatura enquanto Eugênio Gudin aplicava no governo o que aprendera nos livros. Meu apoio pela Prefeitura do Distrito Federal. Ninguém queria parecer que se entendia bem com o assassino de Vargas. Eles não sabiam o que é uma revolução. Augusto Frederico Schmidt, o poeta que teve a antevisão da crise. Acertar antes da hora no Brasil é um crime que se pune com o ostracismo. Exílio nos Estados Unidos e Portugal. Guiomar Novaes, Olga Praguer Coelho e Madeleine Carroll. Tradutor para legendas de filmes. Adoro o mundo mas só sei viver no Brasil. Só os fracos odeiam.

29 CAPÍTULO XXIX
Jânio Quadros. Ali estava um golpe de estado para qual o presidente esperava minha adesão. Jânio podia ter assomos de loucura, mas para o bem, pois era um grande administrador. "Só sei que sentaram a ripa no governo." Depois de tudo o que eu dissera de Jânio, parecia realmente estranho encontrar-me de novo com ele. Mas eu não teria maioria, nem de longe, com povo dividido.

30 CAPÍTULO XXX
O Palácio guardava o segredo. Nossa elite, gente de primeira ordem, mas com a vocação da inércia. Excelentes consultores jurídicos, estadistas não. Reservam-se para julgar os que agem. Os chefes das Forças Armadas não se prepararam para as surpresas de Jânio. Este prestou um grande serviço ao Brasil. Se não renunciasse, seria ditador. Jânio desperdiçou o entusiasmo do povo e o preparou para aceitar humilhações.

31 CAPÍTULO XXXI
Não se faz uma revolução em vão. A maior crise se aproxima a olhos vistos. As forças sociais não são brincadeira. Muitos dos que resistem à Frente Ampla por causa de João Goulart estavam com ele na sua posse e no seu governo. As conseqüências nefastas da decadência física de um chefe de Estado. Conflito penitenciário e o descompasso da lei penal ideal em face do retrato sórdido do País real. Jacareacanga e Anistia concedida por um governo de visão. Perplexidades. Uma obra de governo é antes de tudo obra de inspiração. A nossa elite dirigente encolheu. Somos hoje o País mais importante do mundo dirigido pelos homens menos importantes do Brasil. A crise que se avizinha vau fazer com que as anteriores pareçam apenas ensaios.
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