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ACL - FUNDO DE ARQUIVO CARLOS LACERDA
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/ Contos de Carlos Lacerda |
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"Contos Inéditos" por Carlos Lacerda (*)
Prefácio Segundo Josué Montello, o conto é o mais antigo dos gêneros literários e só veio adquirir contornos definitivos com Maupassant e Tchecov no século XIX ("Memórias Póstumas de Machado de Assis", ed. Nova Fronteira/1997, página 176). No Brasil temos uma unanimidade nacional na indicação do próprio Machado de Assis como o contista primus inter pares. Na galeria dos bons contistas brasileiros cuidamos que Carlos Lacerda poderá ser incluído tanto pela qualidade quanto pela quantidade de trabalhos por ele legados.
José Montello trouxe no prefácio do seu livro uma contribuição interessante ao esclarecer que procurou identificar nos contos e as crônicas a confirmação ou explicação de alguns episódios da vida de Machado de Assis. Os contos e crônicas de Carlos Lacerda estão a sugerir tarefa igual. Lendo-os simultaneamente com a alentada biografia de John W. Foster Dulles (1) ou acompanhando os contos com a leitura da biografia, o leitor terá a sua atenção despertada para fatos, circunstâncias, personagens e situações perfeitamente identificáveis na atribulada vida do inquieto político e do intelectual procurando desesperadamente o sentido da vida, da que podia ter sido e que não foi como diria Manuel Bandeira.
Em alguns contos escritos na década de 30 desponta narrativa confessadamente autobiográfica como a ocorrida com o autor e registrada em "Rosas e Pedras do Meu Caminho” (2), como a do conto "José e o seu Roubo" e aquele outro "Pão de Espírito", em que ao visitar um manicômio quase que restaura o seu diálogo mantido de verdade com o tio Paulo Lacerda, vítima da sífilis e do comunismo militante. Esse tio místico e enlouquecido ficou na memória do sobrinho de forma indelével, a ponto de surgir também como personagem principal na peça teatral "O Rio” (3) e nesse conto, "O Pão de Espírito".
Nos contos da última fase torna-se um exercício fascinante a identificação de algumas personagens com pessoas que passaram pela vida do Autor. Período já distanciado da juventude vigorosa, mas com pouca esperança de retorno à vida política interrompida por forças reacionárias por ele próprio levadas ao poder. A leitura dos contos, e não falamos das crônicas em que esta queixa é mais direta e contundente, mostra que a literatura não era apenas uma fuga do homem cerceado no exercício de sua vocação de vida plena e notadamente de vida política livre. As crônicas trazem sempre a amargura da frustração política, mas alguns contos mostram o anseio de libertação do homem na incontida vontade de viver em plenitude. É nos contos que Carlos Lacerda consegue transferir para a literatura o sentimento do homem em face dos dilemas que lhe foi imposto pelas circunstâncias, viver sem poder exercer a sua vocação plena que o destino parecia lhe ter reservado. Valeu-se do dom de usar as palavras, ou como dizia Gustavo Corção, valia-se do dom inato "de saber cozinhar as palavras" para trazer para o papel iguarias de sabor inesquecíveis.
No conto "O Pão de Espírito", por exemplo, há a passagem pelo colégio interno vivenciada pelo Autor (Rosas e Pedras do Meu Caminho, (4)) e é visível o retrato do pai na descrição do homem gentil, faceiro, elegante, atraente, encantador, mas um pouco arredio ou afastado da família.
"A verdadeira História da Donzela Teodora" afasta-se do conto tradicional e experimenta trazer para uma linguagem ritmada uma história de mil e uma noites. A sua originalidade começa com o pedido do autor para que se respeitem as vírgulas de sua autoria que são dele autor e de ninguém mais e só a ele cabe colocá-las ou recolocá-las. A recomendação se justifica logo no começo da leitura quando se percebe que a história há de ser lida preferencialmente em voz alta para não se perder o ritmo da narrativa. Isto sem falar no achado para finalizar esse conto de fada, "e a donzela deixou de ser...".
Na história das "Ex-alunas" o autor envereda pelo tema da literatura fantástica em que personagens e leitores saem da trama sem saber se realmente participaram ou não dela.
Não serão certamente só por esses contos e pelos magníficos discursos proferidos que Carlos Lacerda adquiriu o direito de freqüentar as antologias. E muito menos pela palavra deste anônimo e improvisado prefaciador. Opiniões abalizadas reconhecem o seu mérito.
Carlos Drummond de Andrade assim se referiu a Carlos Lacerda em carta à filha deste, Maria Cristina Simões Lacerda, publicada por esta no jornal Estado de São Paulo de 24/10/1978: "fosse ele apenas escritor e tivesse perseverado numa exclusiva atividade literária, não daria a medida do homem excepcional que ele foi".
Com a presente série de contos inéditos pode-se, como cidadão, concordar com a assertiva do poeta, mas sempre lamentando, como leitor, não tenha Carlos Lacerda dedicado mais tempo à literatura ficcional. Estes contos que completam uma série de quase quarenta são a prova de que muito ganhariam as letras brasileiras se o discutido político e menos conhecido escritor, tivesse podido se dedicar mais à literatura.
Carlos Lacerda em certo momento, já no fim de sua vida, em 1977, disse que não se sentia ainda com fôlego para escrever um romance e se referiu com entusiasmo aos contos que vinha escrevendo e pensando em escrever (**). Não foi, portanto grande surpresa encontrar esses inéditos, salvo quanto à quantidade que realmente excedeu a qualquer expectativa.
O silêncio que tem cercado a literatura produzida pelo político combativo será seguramente reparada quando se publicarem todos os seus escritos, tarefa em que estão empenhadas a Universidade de Brasília e a Fundamar Fundação 18 de Março.
"A Casa de Meu Avô", publicada pela Editora Nova Fronteira em 1976, um ano antes da morte do autor, bastaria para colocar Carlos Lacerda entre os melhores escritores da literatura brasileira. Foi exatamente isto o que disse Carlos Drummond de Andrade em carta ao autor: "Ainda que você não tivesse outros títulos - e têm muitos a ser inscritos na memória de nossa terra e gente - bastaria este, o de autor de "A Casa de Meu Avô", para permitir-lhe esse lugar que importa mais do que os lugares convencionalmente tidos como importantes". (Trecho da carta de 26.12.76 que se encontra no ACL Arquivo Carlos Lacerda).
Fizeram-lhe bem ao ego os encômios de Alceu Amoroso Lima (Tristão de Athayde, cuja desavença com Carlos Lacerda não impediu de elogiar o livro), Gilberto Freire (“que considerava Carlos Lacerda um dos maiores escritores modernos da língua portuguesa”.), não lhe faltando ainda elogios consagradores de Ayres da Mata Machado (a), Josué Montello (b), Paulo Ronai (c), Luiz Carlos Lisboa (d) conforme relato de J.W.Foster Dulles na biografia "Carlos Lacerda Um lutador" (Editora Nova Fronteira).
Carlos Lacerda foi consagrado por gregos e troianos, por admiradores e mesmo por adversários como um grande orador. Para alguns, o maior orador que já passou pelo parlamento brasileiro (5). O memorialista já tinha dito a que vinha nos fascículos publicados na década de 60 pela revista Manchete com o título "Rosas e Pedras do Meu Caminho" e que aumentaram consideravelmente a tiragem o semanário. Com o mesmo título esses fascículos ressurgiram em livro em 2001 em co-edição Fundamar - UnB. Antes, o memorialista já tinha aparecido de corpo inteiro em outro tipo de livro, livro não escrito, mas praticamente falado, "Depoimento", ed. Nova Fronteira, 1978 que só não agitou mais o confinado ambiente político da época porque o depoente morreu antes da publicação do livro. Agora, com a publicação desses contos inéditos, completando os publicados com os títulos "Uma Luz Pequenina", edição de luxo pela Revista Acadêmica em 1939 e "Xanan e outras Histórias", ed. Nova Fronteira, 1971, Carlos Lacerda se coloca entre os bons e dos mais fecundos contistas brasileiros.
O que a Editora da Universidade de Brasília e Fundamar - Fundação 18 de Março programaram e estão executando certamente surpreenderá os críticos e os leitores quando tomarem conhecimento da quantidade e qualidade da obra de ficção produzida por quem a todos acostumara com discursos, críticas veementes e comentários arrasadores que lhe criaram ambiente hostil seja na esquerda seja na direita. Ambas o relegaram ao ostracismo político e em conseqüência deste, o escritor foi também colocado em quarentena. A propósito desse silêncio ou exclusão dos trabalhos de Carlos Lacerda das cogitações do testamento intelectual brasileiro invocamos novamente Carlos Drummond de Andrade: "está claro que a irrupção de um intelectual como ele na cena política (e um intelectual com a personalidade fortíssima que o caracterizava) causaria o maior mal-estar, o assombro, o medo e a irritação que ele provocava. Medo que não resultaria apenas de suas qualidades de bravura e impulsividade, mas principalmente, a meu ver, de que ele não era apenas um militante político qualquer, - era um intelectual, um homem profundamente diferente da fauna corriqueira, animal estranho e perturbador porque usava acima de tudo a inteligência e não a manha" (Carlos Drummond, carta citada).
A acuidade do poeta aflorou nesse comentário um tema que ainda não vimos abordado por outro, embora sobre Carlos Lacerda exista uma copiosa literatura, pró e contra. O poeta percebe que o patrulhamento que ainda acompanhava o escritor quando o comentário foi escrito (1978) e ainda acompanha o controvertido político, não advém apenas de suas atitudes extremadas e atuações contundentes, nem de ter sido responsabilizado pela queda de vários governos (Getúlio, Carlos Luz, Café Filho, Jânio e João Goulart). E nem mesmo por causa do seu incansável combate ao comunismo daqui e d'alhures e impiedosa guerra aos seus adeptos. O patrulhamento que sempre perseguiu o político, vindo tanto da elite como dos meios dito populares ou da "opinião publicada" ainda existe e advém, como lembra o poeta, do mal estar, do assombro que a sua qualidade infundia nos adversários e correligionários. Um misto de medo e inveja, a perseguir os que tinham que enfrentá-lo ou acompanhá-lo. E para esses males não há remédio.
Estes "Contos Inéditos" estão sendo editados na seqüência às "Rosas e Pedras do Meu Caminho", das peças teatrais "O Rio", "A Bailarina Solta no Mundo" e "Amapá ou o Lobo Solitário". Em seguida virão as "Crônicas Inéditas" e a "Correspondência", ambas em fase de seleção para serem publicadas pelo convênio Fundamar-UnB.
Essa oportunidade de conhecer esses contos e outros originais devemos ao Fundo de Arquivo Carlos Lacerda abrigado na Biblioteca Central da Universidade Darcy Ribeiro de Brasília.
Cuidava-se que a riqueza maior do arquivo estaria na parte política, nos registros da passagem de Carlos Lacerda pelo Governo do Estado da Guanabara ou no intenso intercâmbio epistolar do político com personalidades nacionais e estrangeiras. Todos esses setores do Arquivo não desapontam quem quer que seja. O que se não previa, - e foi o que se tornou o mais estimulante veio para pesquisadores - é a extensa produção do ficcionista Carlos Lacerda, desenvolvida principalmente nos seus exílios políticos, seja durante a ditadura Vargas, seja durante a ditadura dos militares. O que se têm em crônicas, reportagens, peças teatrais e adaptações de histórias para o rádio e discursos são um nunca acabar. E tudo trazendo a marca inconfundível do adaptador.
Os editores querem agradecer especialmente a historiadora Bernadete Quirino Blaëz por ter sido a primeira a chamar a sua atenção sobre o valor literário desses contos desconhecidos dos demais. Os outros agradecimentos vão para os colaboradores de Belo Horizonte e Brasília que ratificaram essa opinião e passaram a colaborar na seleção dos contos a serem publicados. . Os primeiros representados aqui Rosa Maria Ferreira Alves, Maria de Lujan Seabra Carvalho Costa e Denise Lima Vieira Frasão e os segundos por Moema Malheiros Pontes e Larissa Cândida Costa.
Este livro deixaria de estar nas mãos do leitor se não fosse a iniciativa do Magnífico Reitor, Lauro Morhy, da Universidade Darcy Ribeiro ao autorizar a publicação dos inéditos encontrados no Fundo de Arquivo Carlos Lacerda no acervo na Biblioteca Central da UnB. Decisiva foi a determinação do professor Alexandre Lima, Diretor da Editora da Universidade em realizar no menor prazo possível a deliberação da Reitoria no que foi acompanhado pela exemplar equipe por ele comandada. Seria uma injustiça não registrar o nome do professor Renato Tarciso Barbosa de Sousa, o professor da UnB que percebeu a importância do Arquivo e o organizou de forma tão competente. A todos eles devem ser dirigidos os agradecimentos do leitor contemplado com essa série de contos preservados graças à diligência deles.
De Belo horizonte para Brasília, em dezembro de 2001
Túlio Vieira da Costa, Conselheiro da Fundamar Fundação 18 de Março e do Fundo de Arquivo Carlos Lacerda
FUNDAMAR - Fundação 18 de Março (*) Político e jornalista brasileiro, nascido no Estado do Rio de Janeiro em 1914 e falecido em 1977. Liderou a oposição brasileira aos governos que sucederam à ditadura Vargas e à ditadura militar, depois de ter colaborado como poucos na implantação da última. Em vida deixou publicadas mais de 30 obras e mais de 15 traduções. Esse rol deverá ser enormemente aumentado com as co-edições dos originais encontrados no ACL - Fundo de Arquivo Carlos Lacerda, abrigado na Biblioteca Central da Universidade Darcy Ribeiro de Brasília.. (1) "Carlos Lacerda "A Brazilian Cruzader", traduzido no Brasil com o título "Carlos Lacerda A vida de um Lutador", dois volumes, edição Nova Fronteira. (2) "Rosas e Pedras do Meu Caminho", co-edição FUB - FUNDAMAR, 2001 (3) "O Rio", co-edição FUB-FUNDAMAR, 2003, personagem Lucas (4) Página (**) No Fundo de Arquivo Carlos Lacerda abrigado na Biblioteca Central da Universidade de Brasília foram encontrados os originais de mais de duas dúzias deles, escritos todos nas entressafras de ditaduras. Falta ainda encontrar pelo menos três outros contos referidos pelo próprio Lacerda como prontos: "Memorial", "Berta a Esperta" e "O Galã de Zurique". (a) In jornal o Estado de Minas de 08/05/1978: "uma beleza literária". (b) "Uma Casa e uma” (in Jornal do Brasil de 28/12/1977: "das grandes páginas portuguesas") (c) "Mais que Memória..." in O Estado de São Paulo de 20/02/76: "um observador, um visionário, um poeta" (d) In Jornal da Tarde de 30.04.1977 -: "senhor absoluto da palavra e da escrita". (5) Paulo Pinheiro Chagas, "Esse velho vento da Aventura”, ed. José Olympio, 1977, página 330; José Honório Rodrigues prefaciando os "Discursos parlamentares" de Carlos Lacerda (Editora Nova Fronteira, 1982), repete Paulo Pinheiro Chagas
Contos de Carlos Lacerda - A Despedida
"A Despedida", conto de Carlos Lacerda (*)
Nota Explicativa Este conto veio na safra dos últimos trabalhos de ficção de Carlos Lacerda, jornalista e político em tempo integral nos períodos de democracia e infatigável escritor e editor nos períodos de ostracismo político. Os originais estão no Fundo de Arquivo Carlos Lacerda na Biblioteca Central da Universidade Darcy Ribeiro, em Brasília, juntamente com mais de duas dezenas de outros contos. Quase todos inéditos. Alguns foram escritos na década de 30, durante a ditadura Vargas e os demais, depois de 1968, durante a ditadura militar.
Ao que tudo indica o autor só se entregava à literatura de ficção nos períodos em que lhe eram vedados a tribuna e o jornal. Impedido de atuar politicamente, de falar e de escrever sobre assuntos políticos, voltava-se para os livros, seja editando os próprios e os de terceiros, seja escrevendo crônicas, reportagens e contos. Entre os livros publicados em vida destaca-se "A Casa do Meu Avô" (Editora Nova Fronteira, 1976), obra seguidamente editada e que mereceu de Carlos Drummond de Andrade julgamento lisonjeiro:
"Ainda que você não tivesse outros títulos - e tem muitos a ser inscritos na memória de nossa terra e gente - bastaria este, o de "A Casa de Meu Avô" para permitir-lhe esse lugar que importa mais do que os lugares convencionalmente tidos como importantes". (Trecho da carta de 26/12/76 que se encontra no ACL Arquivo Carlos Lacerda).
Carlos Lacerda, ficcionista atuando apenas nas entressafras das ditaduras, produziu como nas demais áreas em que atuou uma enormidade de textos. O Fundo de Arquivo Carlos Lacerda organizado em decorrência do convênio FUNDAMAR – Fundação 18 de Março e a UNB - Universidade de Brasília, está revelando uma desconhecida produção literária na área ficcional de quem se tornou conhecido como jornalista, político e governador do Estado da Guanabara. Não se tinha notícia de que o escritor guardasse tal quantidade de contos inéditos na gaveta. Mais de duas dúzias.
Já está nas livrarias o livro de memórias "Rosas e Pedras do Meu Caminho" (co-edição FUB - Fundamar, 2001) com vários capítulos totalmente inéditos. E no prelo já se encontram três peças teatrais "O Rio", "Amapá ou o Lobo Solitário" e "A Bailarina Solta no Mundo".
Os próximos trabalhos inéditos de Carlos Lacerda programados para publicação são os contos e entre eles, "A Despedida". Belo Horizonte, dezembro, 2001 Túlio Vieira da Costa, Curador do Fundo de Arquivo Carlos Lacerda e da Fundamar - Fundação 18 de Março
(*) Político e jornalista brasileiro, nascido no Estado do Rio de Janeiro em 1914 e falecido em 1977. Liderou a oposição brasileira aos governos que sucederam à ditadura Vargas e tentou liderar o combate à ditadura militar, depois de ter colaborado como poucos para sua implantação. Em vida deixou publicadas mais de 30 obras e 15 traduções. Rol que será enormemente aumentado com as co-edições dos originais encontrados no Fundo de Arquivo Carlos Lacerda, abrigado na Biblioteca Central da Universidade Darcy Ribeiro de Brasília.
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