ACL - FUNDO DE ARQUIVO CARLOS LACERDA
 / Entrevista de Túlio Vieira da Costa à jornalista Nehemi Maciel do Correio Braziliense, publicada no caderno PENSAR do dia 12 de abril de 2002 sobre os textos de Carlos Lacerda
Arquivos de homens públicos e intelectuais costumam ter potencial. Vez ou outra, algum historiador ou amigo próximo descobre algo inédito em pasta sem identificação no fundo de uma gaveta. Esse tipo de material não raro causa alvoroço no mercado editorial. Foi um pouco alimentada por isso que a Editora UnB (Universidade de Brasília) fuçou em dois arquivos potencialmente frutíferos. Em maio, durante a 11ªBienal Internacional de Janeiro, a editora lança duas caixas com textos inéditos de Carlos Lacerda e Gilberto Freyre.

O ineditismo, no entanto, não tem o mesmo peso para os dois autores. Não no caso dessas duas publicações, embora não se trate de diminuir a relevância dos textos. Comecemos com Carlos Lacerda, autor dos contos e escritos dramatúrgicos que chegam às prateleiras com os títulos de 21 Contos Inéditos e Três Peças Inéditas: O Rio, Amapá e Uma Bailarina Solta no Mundo.

As obras saíram do Fundo do Arquivo Carlos Lacerda, que pertence à Biblioteca Central da UnB, e foram estudadas por Túlio Vieira da Costa, ex-presidente e conselheiro da Fundação 18 de Março (Fundamar). Em 1999, Túlio, um advogado versado na vida e obra de Lacerda, participou da organização do arquivo como parte do acordo firmado em convênio entre a Fundamar e a UnB. Numa pasta, sem nenhuma identificação a não ser o nome do autor, a equipe liderada pelo advogado encontrou uma série de contos, a maioria completamente inédita.

‘‘Foi uma grande surpresa. Lacerda é muito conhecido como político, mas como literato não é’’, diz Túlio. Parte dos textos foram escritos na década de 1970, quando o autor já assistira à cassação de seus direitos políticos. Outros tantos datam da era Getúlio Vargas e, ao invés do nome de batismo, levam o pseudônimo Marcos Pimenta na assinatura. Túlio acredita que a explicação para tal iniciativa está numa candidatura para o Prêmio Humberto de Campos. Lacerda se inscreveu para o concurso, patrocinado pela Livraria Editora José Olympio em 1935, e apresentou os contos.

Não foi classificado e, talvez por desgosto, deixou o material guardado numa pasta qualquer. São deste período José e o seu roubo e O mato é maior, únicos que Túlio não classifica como totalmente inéditos. Os dois textos teriam sido reescritos depois de publicados em livro editado pela Francisco Alves. ‘‘Acho que ele quis melhorar mas piorou’’, brinca Túlio, ao comentar as versões de 21 contos inéditos com intimidade suficiente para reconhecer alguns deslizes do personagem admirado. ‘‘Esses contos não têm a importância de serem melhores que outros escritos de Carlos Lacerda — afinal A casa do meu avô (livro de memórias) é considerado a obra-prima’’, continua. ‘‘Mas têm a importância de mostrar um intelectual envolvido com política e literatura.’’

Para o pesquisador, é nas peças que está a importância maior desses dois volumes editados pela UnB. O Rio data da década de 1930 e reflete sobre o problema dos camponeses que trocam as áreas rurais pelas urbanas e acabam confinados na periferia e no desemprego. No caso da peça, à beira de um rio. A obra não é inédita — foi publicada numa coletânea — como Amapá e A bailarina solta no mundo, mas faz retrato atemporal de uma situação brasileira. Mereceu até elogios de Érico Veríssimo. O escritor gaúcho chegou a comparar O Rio com Estrada do tabaco (1932), best-seller de Erskine Caldwell, atribuindo à obra de Lacerda valor ‘‘mais denso e menos histriônico’’.

‘‘Essa peça merece destaque pelo conhecimento que ele tinha da realidade brasileira. Talvez seja a mais importante porque é atualíssima e pode até ser comparada com o problema dos sem-terra’’, repara Túlio.

CURIOSIDADE

Carlos Lacerda


Sucesso no Rio
A peça A bailarina solta no mundo foi escrita sob encomenda de Alfredo Mesquita. A inspiração foi uma história real que se passou no Rio de Janeiro. A primeira encenação, no entanto, aconteceu em São Paulo, com o jornalista Júlio Mesquita como um dos intérpretes. Foi um fracasso. Sucesso mesmo só no Rio, onde os cariocas estavam familiarizados com a história e não hesitaram em correr ao teatro.

Mais inéditos
Há mais inéditos entre a produção de Carlos Lacerda. Túlio Vieira da Costa trabalha agora na seleção da correspondência trocadas com intelectuais e políticos brasileiros. As cartas serão divididas em três fases: era Vargas, período em que Lacerda foi eleito governador e exílio na própria pátria, época de troca de correspondências com Juscelino Kubitschek e Carlos Drummond de Andrade.

A pedido
No texto autobiográfico Rosas e pedras no meu caminho, Lacerda revela que só escrevia sob encomenda. A maioria dos contos e peças foi realizada dessa forma.
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