ACL - FUNDO DE ARQUIVO CARLOS LACERDA
 / Hélio Fernandes fala sobre Carlos Lacerda.
HÉLIO FERNANDES

No primeiro artigo, intitulado "Conversa com Carlos Lacerda em 1964-1965: sem anotação, sem gravador, de memória", Hélio Fernandes trata de uma conversa que manteve com Carlos Lacerda no dia 12 de novembro de 1965 ¿ a propósito, Senhor Presidente, peço que esse artigo seja transcrito na íntegra para os Anais. O que é dito em alguns parágrafos serve para todos os que fazem política neste País. Diz Hélio Fernandes, referindo-se à conversa com Lacerda: (...) Não coloca o problema em termos pessoais, não faz carga contra ninguém, não exibe a amargura dos derrotados. Pois está consciente (embora não arrogante), de que quem tem 41 por cento do eleitorado de um estado como a Guanabara pode ter todos os sentimentos menos o da amargura. Também não pronuncia uma só vez a palavra ingratidão, pois não confunde realização eleitoral com paternalismo. Compreende que realizar é função do administrador, votar é obrigação do eleitor. Nunca poderá haver uma fusão completa dos dois objetivos, mas por causa disso não se deve perder de vista ou desperdiçar nem um nem outro, ambos importantes, e mais do isso, indispensáveis à consolidação da verdadeira democracia. (...) Faz um comentário sobre a reconciliação entre Lacerda e Charles Chaplin, destacando este trecho: (...) Imediatamente, depois de falar sobre Chaplin, Carlos Lacerda volta a examinar a situação interna e externa do Brasil, com a mesma objetividade e lucidez. As preocupações e a liderança política não mataram nele o intelectual autêntico que nunca deixou de ser. Seus dias continuam a escorrer da mesma forma, mas seus familiares estão surpreendidos com a tranqüilidade que se desprende dos seus atos, das suas palavras, do seu comportamento. Visita galerias, faz compras, fala com amigos, almoça e janta em lugares públicos, toma providências para a sua integração real como empresário particular, que o empolga e o entusiasma. (...) Todos nós que fomos punidos pela Revolução ¿ ou golpe de Estado de abril de 1964, para os que assim a quiserem denominar ¿, os que perdemos os mandatos de deputado federal e tivemos os direitos políticos suspensos por dez anos, sabemos que Lacerda foi um construtor desse chamado golpe, inclusive, apoiando as candidaturas militares. Logo depois, quando tentou a Frente Ampla, numa antevisão do que poderia ocorrer, foi punido pela mesma força que ajudara a instaurar.

Por isso, as palavras de Hélio Fernandes, quando relembra que ele tem todos os sentimentos, tantos quantos sejam possíveis menos os de amargura ¿ é interessante que se registre, não estamos mais nos referindo àquele político de então. Mas, o que precisa ser dito? Por exemplo, a 29 de abril de 1999, do jornal Tribuna da Imprensa, o segundo artigo, quando Hélio Fernandes destaca: (...) chega a confessar que tem meditado muito sobre o chamado problema Juscelino Kubitschek. Considera um absurdo o que estão fazendo com ele no momento. Diz que algumas vezes tem sentido a tentação de se manifestar contra o tratamento que estão dispensando à pessoa do ex-presidente. Menos pela pessoa do Sr. Juscelino Kubitschek do que pela inutilidade e imbecilidade da "solução", desde que raciocinada em termos de humanidade. Depois recua, pois sente que qualquer palavra sua sobre o assunto, no momento, poderia ser mal interpretada pelos dois lados. E não diz nada. Um dos poucos homens que para analisar a situação interna do Brasil começa pela apreciação externa, que é a melhor forma de ver as coisas. Por aí manifesta mais uma vez sua superioridade. Está visivelmente preocupada com isolamento do Brasil no campo externo, provocado pela incrível “orientação" de dizer amém a tudo o que governo norte-americano diz ou pensa. Quando o próprio papa se manifesta a favor da entrada da China na ONU, que defesa restará ao Brasil, como maior país católico do mundo, para lutar contra essa pretensão legítima da China? (...) E continua Hélio Fernandes sobre Carlos Lacerda: (...) Não existe assunto fechado para a inteligência de Carlos Lacerda. Examina tudo e ele mesmo parece surpreendido com a serenidade interior que o invadiu, precisamente quando adversários e até mesmo correligionários pensavam que estivesse liquidado. Sente-se como um alpinista que, dedicando a vida a escalar o Himalaia, compreendesse subitamente que o grande prazer da escalada não é o subir e descer (isso pouco importa), mas o de desbravar caminhos e fixar marcos, para que os que vierem depois dele possam se orientar com confiança e segurança. (...) Mais adiante: Carlos Lacerda está alerta e se mantém bem informado sobre todos os acontecimentos da área civil ou militar. Ele sempre foi bem informadíssimo. Está achando que, antes de 03 de outubro de 1966, observem bem, acontecerá alguma coisa no País. Alguma coisa de muito importante, repete. Logicamente admite que é impossível diagnosticar ou exprimir com segurança. “Se pudesse recomendar alguma coisa a alguém, recomendaria a grandeza, uma espécie de mercadoria que está faltando no mercado político brasileiro e isso há muito tempo.”

Observem que esta conversa foi realizada em 12 de novembro de 1965 e como continua a faltar no mercado político brasileiro essa espécie de mercadoria que é a grandeza política. Enfim, continua Hélio Fernandes dizendo que, nesse outubro de 64, Carlos Lacerda cedeu ao seguinte raciocínio: quando já era candidato a presidente, desenvolvendo a missão ao partido, ele sabia que alguma coisa "estava liquidada e que não haveria".

“No dia 30 de abril último, eu me referi a um artigo que escrevi em outubro de 1964, depois de horas de discussão (amigável, mas veemente) com Carlos Lacerda. Citei até o título Carlos Lacerda, o candidato invencível de uma eleição que não haverá . Tanta gente me escreveu, me telefonou, me pediu de todas as maneiras para publicar esse artigo, que falei com o arquivista da Tribuna, (Joaquim, um craque completo, que tem mais de anos e anos de Casa do que eu) para me arranjar uma cópia. Evidentemente que não havia, já se passaram quase 29 anos. Mas o Joaquim fez milagres e arranjou o artigo. "*E diz mais adiante: "É um artigo que eu publiquei em outubro de 1964, 24 horas depois da aprovação (por um voto) da prorrogação do mandato do Presidente Castelo Branco. Só para terminar, nesse outubro de 1964, Carlos Lacerda cedeu aos argumentos do Dr. Júlio Mesquita, que dizia: "Se você derrotar a prorrogação agora, haverá um golpe". E diz Hélio Fernandes: "Eu dizia exatamente o contrário: Temos que resistir, Carlos. Se eles tiverem força para um golpe, darão agora, com a nossa omissão, ou depois, com o nosso naufrágio". Compreendo que Carlos atendesse ao Dr. Júlio Mesquita e não a mim. Era justo até pela diferença de idade. Ganhou a prorrogação, Golbery, Ernesto Geisel, Orlando Geisel, e os servos, submissos e subservientes, como Luiz Vianna, ficaram felizes. Não houve o golpe. Dois anos depois, sem motivo, deram um golpe pior, e implantaram o famigerado AI-5. O que é melhor? Morrer sabendo, ou morrer pensando que isso é a vida?".

O Sr. José Jorge (PFL-PE) - Permite-me V. Ex.ª um aparte, eminente Senador Bernardo Cabral?

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Ouço com muito prazer o aparte de V. Ex.ª, ilustre Senador José Jorge.

O Sr. José Jorge (PFL-PE) - Meu caro Senador Bernardo Cabral, gostaria de congratular-me com V. Ex.ª por lembrar nesta data o grande político brasileiro que foi Carlos Lacerda, uma figura polêmica, que teve muitos adversários, mas também tinha muitos eleitores fiéis que o elegeram, inclusive, Governador do Estado do Rio, antigo Estado da Guanabara.

Gostaria de levantar um aspecto da personalidade do Governador Carlos Lacerda, que é exatamente o fato de, além de ser um grande tribuno, um grande debatedor no Congresso, um grande debatedor pela mídia, aquele que estava sempre presente em todos os acontecimentos políticos, ele também era um grande administrador. Conseguiu, como governador, realizar uma grande obra administrativa que, até hoje, ainda perdura no Rio de Janeiro.

As principais obras, por exemplo, na área de abastecimento de água, no sistema viário do Rio de Janeiro, que tornaram a cidade mais bonita e ainda mais viável para seus moradores, foram realizados quando Carlos Lacerda era Governador. Portanto, acredito que a combinação de um grande político e um grande administrador, que é tão rara, muitas vezes vemos alguns grandes políticos, mas, no aspecto administrativo, nunca conseguem administrar bem quando estão no Executivo, também alguns que administram bem no Executivo, mas não conseguem ter uma grande participação na área política. Carlos Lacerda era um homem público completo, pois era um grande político no debate das idéias, na discussão no Congresso e na mídia, e, ao mesmo tempo, era um grande administrador, que realizou uma grande obra em seu Estado. Então, por isso seu nome ficará um pouco esquecido, talvez mais do que deveria, mas certamente sempre aparecerá alguém como V. Exª. que, nas suas datas, relembrará seu nome para que o Brasil possa continuar discutindo sua personalidade e seu trabalho. Meus parabéns a V. Exª.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Eminente Senador José Jorge, o valor que quero dar a minha presença aqui, ainda que reduzido, é exatamente por ter sido, em determinada quadra, adversário político de Carlos Lacerda e estar aqui reconhecendo que as diferenças ideológicas não empanam, não apagam o brilho que um administrador pode ter - e S. Exª os possuía - em toda a sua extensão. Devo dizer a V. Exª que um dos privilégios que tive na vida foi o de assistir a debates de Carlos Lacerda com Vieira de Mello, ainda quando a Câmara dos Deputados funcionava no Palácio Tiradentes. Dois grandes oradores! Sem dúvida, a nossa posição era sempre para o lado de Vieira de Mello, mas que se contrapunha a Carlos Lacerda com a elegância que hoje já não se vê. Nos parlamentos contemporâneos, com raras exceções, as lideranças se limitam ao chamado poder estatístico de saber quais são os votos que têm em suas bancadas. Àquela altura, os que eram da oposição - e eu ainda cheguei a caminhar por esse passo nos idos de 67 e 68 -, o Governo apresentava o seu programa, e a liderança o defendia; e a oposição combatia tenazmente, mas nunca faltando a um e outro a elegância do convívio. A lembrança por eu trazer aqui a figura de Hélio Fernandes é exatamente para resgatar um pouco dessa história. E, ao fazer esse resgate, ouço o Senador Jefferson Péres.

O Sr. Jefferson Péres (Bloco/PDT-AM) - Senador Bernardo Cabral, V. Exª relembra a passagem do aniversário de Carlos Lacerda, que completaria 85 anos, se vivo fosse. Nada mais justo... Digo isso a V. Exª, tranqüilamente e com toda a autoridade, porque eu era um homem de esquerda. A minha oposição a Carlos Lacerda chegava quase ao ódio. Hoje eu sei que, no fundo, era medo do poder de argumentação daquele adversário. Carlos Lacerda - V. Exª dizia a mim antes de subir à tribuna - estava muito acima da média dos homens. Era uma figura absolutamente extraordinária, ele conseguiu ser grande em tudo o que fez: era um excepcionalíssimo tribuno - um dos maiores que vi na minha vida -, escrevia como ninguém, sabia ser o panfletário terrivelmente destruidor quando queria e sabia ser o homem terno, o cronista que escreveu "A Casa do meu Avô", que é uma obra de prosa poética. Como dizia o Senador aqui, depois de ter sido o maior parlamentar, sem dúvida nenhuma, da República - não sei se do Império, Nabuco de Araújo talvez o tenha sido, mas não ficaram registros da palavra falada, só escrita -, foi um grande administrador. Dou meu testemunho, porque tenho uma ligação muito estreita com o Rio de Janeiro, e o Rio de Janeiro é antes e depois de Carlos Lacerda. E mais: isso é porque não implantaram o Plano Doxiabis, que previa a expansão da cidade. V. Exª lembra os grandes duelos oratórios entre ele e o baiano Vieira de Mello. Realmente, era um prazer ir às galerias assistir àqueles floreios verbais entre Carlos Lacerda, Vieira de Mello e outros, como mais tarde o nosso conterrâneo Almino Affonso, a respeito de quem falarei amanhã. Carlos Lacerda era tão demolidor - como V. Exª sabe -, que foi preciso que o então Ministro da Justiça, Armando Falcão, proibisse-lhe a ida à televisão, porque ele teria derrubado o Governo Juscelino Kubitschek. Creio que ainda está por ser escrita a verdadeira biografia de Carlos Lacerda, e apesar de eu discordar de inúmeras posições dele, este Parlamento não pode deixar de registrar a passagem daquele homem que foi realmente um gigante em tudo o que fez na vida. V. Exª tem toda a razão: ele era um homem muito acima da média, e - como eu lhe dizia aqui – ouvir Carlos Lacerda era se sentir humilhado.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Senador Jefferson Péres, somos da mesma geração, nascemos no mesmo mês, no mesmo ano, na mesma cidade; portanto, convivemos com o nosso tempo de mocidade bem alinhados. E o testemunho de V. Exª é o registro de quem não tem receio algum de dizer que nós discordamos de Carlos Lacerda, mas lhe reconhecemos e proclamamos o talento. Quando fundou a Frente Ampla e procurou Juscelino, Carlos Lacerda sentia que, com aquela caminhada, ele estava a pedir desculpas - que um gesto de grandeza registra - a um grande Presidente da República, a quem ele tanto havia combatido. Ainda há pouco, li as palavras de Helio Fernandes ditas de memória, sem gravador, descrevendo toda essa saga da vida política brasileira. Senhor Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quando o tempo passa, quando a figura fica esmaecida, trazer ao conhecimento da nossa juventude é dar uma oportunidade para que pesquisem e vejam que alguns homens públicos não valem pelo eventual poder que conseguem empalmar ou pela fortuna que amealham, mas pelo que produzem em favor da coletividade. Penso que, com esse trabalho, Helio Fernandes faz um resgate. E só ele poderia fazer, porque existe aqui um tópico que muito pouca gente conhece, o qual passo a ler: Naquela época, a Tribuna tinha uma posição singularíssima. Já pertencendo a este repórter desde 1962 (quando adquiri o ativo e passivo que pertenciam ao Manuel Francisco do Nascimento Brito), muita gente ainda pensava que a Tribuna era de Carlos Lacerda. Éramos tão ligados, tão amigos, que muita gente nem imaginava que Carlos Lacerda não fosse o dono. E como eu criticava diariamente o candidato Flexa Ribeiro [que era o candidato de Carlos Lacerda ao Governo do Rio de Janeiro], aquilo criava uma terrível confusão. Pode-se dizer sem a menor hesitação: a Tribuna e este repórter derrotaram o candidato de Carlos Lacerda em 1965. Difícil de entender, e os lacerdistas não entenderam. O próprio Helio Fernandes, que era esse amigo irmão que lhe reconhecia o valor, não deixou de invectivar, de se posicionar contrariamente ao candidato Flexa Ribeiro. O Sr. Jefferson Péres (Bloco/PDT-AM) - V. Exª me permite um aparte? O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Ouço V. Exª para a consideração final. O Sr. Jefferson Péres (Bloco/PDT-AM) - Faço apenas um registro histórico. V. Exª falou que ele foi grande quando tacitamente pediu desculpas a Juscelino Kubitschek. Dou-lhe conhecimento - se é que V. Exª não sabe – de outro episódio: o maior adversário de Carlos Lacerda, no então Estado da Guanabara, chamava-se Eloy Dutra, do PTB. Eram inclusive inimigos pessoais. Quando estourou o movimento militar, em 31 de março de 1964, Carlos Lacerda era um homem da situação, montada no AI 1 e AI 2. Eloy Dutra regressou à Guanabara, e pesava-lhe ameaça de prisão. Carlos Lacerda, adversário e inimigo, que poderia ter tripudiado sobre Eloy Dutra, foi recebê-lo e levou-o em seu carro até a sua residência, para dar-lhe cobertura. Foi um gesto de grandeza realmente muito significativo o de Carlos Lacerda.

(Data 03/05/1999 – Transcrito nos Anais do Senado, a pedido do orador, senador Bernardo Cabral).
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