Reencontro com Carlos Lacerda - texto de Murilo Badaró
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Autor: Murilo Badadaró, Presidente da Academia Mineira de Letras
Na visita semanal às livrarias em busca de novidades encontrei o livro Rosas e pedras de meu caminho, de Carlos Lacerda, uma edição da Universidade de Brasília em parceria com a Fundação 18 de Março. Li-o com sofreguidão. De uma assentada. Pela sensação do prazer do reencontro com uma das personalidades mais fascinantes que tive oportunidade de conhecer. Lamentavelmente, as circunstâncias de tempo e lugar não me permitiram com ele conviver, limitando-me à leitura de seu depoimentos e de quantos livros e artigos escritos sobre ele, em especial a alentada biografia do norte-americano John W. F. Dulles. Fui criado numa casa pessedista, impregnada das paixões desencadeadas pela luta contra o udenismo mineiro, e por irradiação, ao nacional. Se Carlos Lacerda era o maior algoz de pessedistas e dos egressos do getulismo, não menor era a admiração votada pelos adversários ao seu fulgurante talento e sua palavra arrebatadora. Se de público não a confessavam, nos encontros reservados eram todos cativos do fascínio de sua personalidade. Lacerda eletrizava o Brasil com sua palavra de fogo. Depois de 1964, movimento a que o PSD aderiu pela unanimidade de suas forças e do qual começou a se distanciar pela coloração udenista impressa em muitos de seus atos, especialmente em Minas Gerais e com relação a Juscelino Kubitschek, comecei a assumir discreta aproximação com Carlos Lacerda, cujas atitudes ganhavam crescente adesão pela resistência oposta às tentativas de adiamento do processo eleitoral. Lacerda veio a Belo Horizonte para uma conferência no plenário da Assembléia Legislativa, ainda no velho prédio da rua Tamoios, acanhado para acolher a multidão que para lá se dirigira a fim de ouvir o líder udenista. Tenho guardada até hoje, nos escaninhos da memória, a impressão de sua eloqüência, da frase perfeita, do desencadear das idéias atreladas à lógica fluindo às catadupas de seu verbo privilegiado. Havia recebido e aquiescido a um convite de Eloy Heraldo Lima para jantar com o antigo governador da Guanabara após a palestra. Nessa noite reuni-me completamente ao charme e à inteligência de Lacerda, oportunidade em que ele esbanjou simpatia e cordialidade. Os presentes em seu redor conheceram o poder de sus verve, entremeada de anedotas inteligentes, observações pitorescas sobre personalidades da vida brasileira, muito distante do tribuno caloroso capaz de demolir reputações e governos. O político despiu-se das pompas com que sua biografia o trajava para dar lugar ao cavalheiro Ihano e civilizado, cantarolando canções tão logo um violão deu entrada na sala. Ensaiou algumas, ele mesmo ao pinho, pondo à mostra sua vela voz de baixo-cantante de agradável entonação, a mesma com fulgor de raios e relâmpagos quando da tribuna, suavemente açucarada no clássico "Chão de Estrelas" de Orestes Barbosa. "Uma rosa num buquê de manjericões", assim era Lacerda no meio político. Sua dimensão histórica começa a ganhar a medida certa. No dia 30 próximo completaria 88 anos, mas sua palavra está mais viva que nunca.
Fonte: Jornal O Cidadão, Paraguaçu.
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